Recebido em: 07/11/2023
Aprovado em: 20/05/2024
Liberdade negocial sindical em uma perspectiva
republicana: contribuições do pensamento de Philip Pettit
Union bargaining freedom from a
republican perspective: contributions
from the thoughts of Philip Pettit
La libertad de negociación sindical
desde una perspectiva republicana:
aportes del pensamiento de Philip Pettit
Marcos Antônio Striquer Soares
Universidade do Oeste Paulista, Universidade Norte do Paraná e
Universidade Estadual de Londrina
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9458143007250972
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4020-1734
Otavio Augusto Reis Santos
Universidade Estadual de Londrina
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8314869577653097
ORCID: https://orcid.org/0009-0008-2190-4259
Raul Durizzo de Oliveira
Universidade Estadual de Londrina
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5887794614180307
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1580-076X
RESUMO
Introdução: A autonomia negocial dos sindicatos garante que o embate
dialético entre patrões e empregados produza avanços trabalhistas de
maneira orgânica, ou seja, com soluções adequadas àquela realidade
específica. Essa adequação está atrelada ao quão livres os sindicatos
puderem atuar e se constituir.
Objetivo: Pretende-se, no presente trabalho, investigar o conceito de
liberdade aplicado ao direito coletivo do trabalho.
Metodologia: Por meio da metodologia bibliográfica, iniciará a pesquisa
abordando a autonomia negocial coletiva dos sindicatos e seu importante
papel dialético e democrático. Após, abordar-se-ão as teorias liberal e
republicana de liberdade, enfatizando a contribuição de Phillip Pettit para
o pensamento contemporâneo sobre o assunto.
Resultados: Demonstra que a concepção neorrepublicana de liberdade,
entendida como não dominação, bem como seus pressupostos, adequam-se
ao que se espera da liberdade sindical brasileira.
Conclusão: A autonomia dos sindicatos contribui para o avanço das
condições trabalhistas na medida das necessidades dos trabalhadores. Deve-
se contribuir para a ampliação da liberdade sindical para que a dialética
trabalhista acompanhe a realidade social subjacente. Isso significa menores
restrições para a constituição dessas organizações bem como menor
ingerência em suas deliberações. A contribuição do cientista político
irlandês Phillip Pettit na defesa da liberdade como não dominação,
resgatando o ideário republicano de civismo, se adequa à atual conjuntura
constitucional brasileira com relação ao Direito do Trabalho.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
SOARES, Marcos A. S.; SANTOS, Otavio A. R.; OLIVEIRA, Raul D.. Liberdade negocial sindical em uma perspectiva
republicana: contribuições do pensamento de Philip Pettit. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v.7, p. 1-24, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.182.
PALAVRAS-CHAVE: autonomia; liberdade; sindicatos.
ABSTRACT
Introduction: The autonomy to negotiate of unions guarantees that the
dialectical clash between employers and employees produces labour
advances in an organic way, that is, with solutions suited to that specific
reality. This adequacy is linked to how freely unions can act and form
themselves.
Objective: The aim of this work is to investigate the concept of freedom
applied to collective labour law.
Methodology: The research will begin by addressing the collective
bargaining autonomy of unions and their important dialectical and
democratic role. Afterwards, liberal and republican theories of freedom will
be addressed, emphasizing Phillip Pettit's contribution to contemporary
thought on the subject.
Results: Finally, it will demonstrate that the neo-republican conception of
freedom, understood as non-domination, as well as its assumptions, adapt
to what is expected from Brazilian union freedom.
Conclusion: The autonomy of unions contributes to the improvement of
working conditions according to the workers’ needs. Contribution must be
made to expand trade union freedom so that the labour dialectic follows the
underlying social reality. This means fewer restrictions on the formation of
these organizations as well as less interference in their deliberations. The
contribution of Irish political scientist Phillip Pettit in defending freedom as
non-domination, rescuing the republican ideology of civility, fits the current
Brazilian constitutional situation in relation to Labour Law.
KEYWORDS: autonomy; freedom; unions.
RESUMEN
Introducción: La autonomía negocial de los sindicatos garantiza que el
choque dialéctico entre empresarios y trabajadores produzca avances
laborales de manera orgánica, es decir, con soluciones adecuadas a esa
realidad específica. Esta adecuación está vinculada a la libertad con la que
los sindicatos pueden actuar y constituirse.
Objetivo: El objetivo de este trabajo es investigar el concepto de libertad
aplicado al derecho laboral colectivo.
Metodología: La investigación comenzará abordando la autonomía de
negociación colectiva de los sindicatos y su importante papel dialéctico y
democrático. Posteriormente se abordarán las teorías liberales y
republicanas de la libertad, destacando el aporte de Phillip Pettit al
pensamiento contemporáneo sobre el tema.
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Resultados: Finalmente, demostrará que la concepción neorepublicana de
libertad, entendida como no dominación, así como sus presupuestos, se
adaptan a lo que se espera de la libertad sindical brasileña.
Conclusión: La autonomía de los sindicatos contribuye al avance de las
condiciones laborales de acuerdo con las necesidades de los trabajadores.
Se debe contribuir a ampliar la libertad sindical para que la dialéctica
laboral siga la realidad social subyacente. Esto significa menos restricciones
a la formación de estas organizaciones, así como menos interferencia en sus
deliberaciones. La contribución del politólogo irlandés Phillip Pettit en la
defensa de la libertad como no dominación, rescatando la ideología
republicana del civismo, se ajusta a la actual situación constitucional
brasileña en relación al Derecho del Trabajo.
PALABRAS CLAVE: autonoa; libertad; sindicatos.
INTRODUÇÃO
Um país socialmente responsável precisa observar as relações trabalhistas que
são travadas sob seu manto. Apesar disso, um Estado que se pretende democrático
não pode imiscuir-se completamente nesta seara. Isso porque a excessiva tutela
estatal retira a autonomia das partes, impedindo-as de encontrarem a melhor
solução para seus problemas.
Essa autocomposição, no entanto, não é simples. O poder econômico dos
patrões, bem como a sujeição dos empregados, quando individualmente
considerados, faz com que o resultado das disputas muitas vezes penda para o lado
mais forte. Essa, historicamente, é razão para a existência dos sindicatos. A união
dos trabalhadores permite que possam defender seus interesses em igualdade de
condições para com seus empregadores.
O nível de liberdade dos sindicatos importa para a congruência entre a vontade
geral dos trabalhadores e aquilo que é efetivamente defendido por essas
organizações. O conceito de liberdade em si passou por variações com o passar dos
séculos. Na Antiguidade era confundido com o conceito de cidadania. Com o advento
do Iluminismo e o início do fim das monarquias, a liberdade tomou outro aspecto,
mais voltado ao liberalismo então nascente. Agora, o resgate de ideias Republicanas
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de liberdade, tal qual eram entendidas em Roma e Grécia antigas, volta a tomar o
pensamento político.
O trabalho busca apresentar os efeitos da liberdade e autonomia nos
sindicatos. Passará pelo conceito de liberdade e sua aplicação ao Direito Coletivo do
Trabalho. Dessa forma, espera-se contribuir, por meio da moderna teoria
neorromana de liberdade, com o atual panorama sindical brasileiro.
1 O Direito do Trabalho e a autonomia negocial coletiva
Como é cediço, o Direito do Trabalho pode ser sistematicamente dividido em
dois grandes segmentos: o individual e o coletivo. Enquanto o individual trata das
relações de emprego e analisa os deveres, direitos e obrigações que emergem da
relação empregatícia, o coletivo se debruça sobre as relações que se dão no campo
do que se convencionou chamar de autonomia privada coletiva.
A autonomia privada coletiva pode ser conceituada, nas lições de Martins1,
como o poder de criação de normas jurídicas pelos próprios interessados as quais
se diferem das editadas pelo Estado tendo o interesse coletivo por fundamento. As
pessoas que se beneficiarão de tais normas são indeterminadas, podendo ser, na
seara trabalhista, membros de uma mesma categoria profissional ou econômica. O
interesse coletivo que sufraga as regras em destaque será aquele que represente os
anseios de conquista e manutenção de direitos da classe.
Dessa forma, o direito do trabalho coletivo terá por objeto asrelações entre
organizações coletivas de empregados e empregadores [...], a par das demais
relações surgidas na dinâmica da representação e atuação coletiva dos
trabalhadores2.”
1 MARTINS, Sergio P. Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 824-825.
2 DELGADO, Maurício G. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr,
2019. p. 1529.
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Nessas relações, os sindicatos ocuparão preponderante papel, exercendo a
autonomia privada coletiva em nome da classe que representam, oportunidade em
que criarão, modificarão e extinguirão condições de trabalho na defesa de um
interesse comum do grupo. A autonomia privada coletiva, nesses termos, pressupõe
que o Estado abdica, em favor de grupos sociais, de parte de sua jurisdição e do
monopólio de criar normas, para que esses grupos tenham a liberdade de
organizarem-se e regrarem-se por si mesmos3.
Decorre da autonomia privada coletiva a autonomia negocial, que se
caracteriza pela “possibilidade de o sindicato participar das negociações coletivas,
em que o resultado é o estabelecimento da norma coletiva. A convenção e o acordo
coletivo são instrumentos, por excelência, da autonomia negocial”4. As negociações
coletivas colocam frente a frente representantes de classes trabalhadoras e
patronais com o escopo de estipularem regramentos que atendam aos interesses de
ambos os grupos como um todo. A norma coletiva que dele resulta deve expressar o
consenso de vontades, fruto de uma discussão travada abertamente, na qual as
partes são plenamente livres.
Destaca-se, nesse palmilhar, que o Estado não dispõe de meios para regular
de maneira adequada e minuciosa as condições de trabalho em cada caso concreto
e que o processo legislativo é infinitamente mais lento e engessado que o negocial.
Assim sendo, convivem no ordenamento regras de fontes estatais e negociais,
evidenciando que o direito do trabalho se insere no contexto do pluralismo jurídico5.
Ainda que o Estado não abra mão da tutela das relações de trabalho, as normas
negociais que incidem sobre a relação de emprego ganham especial relevância tanto
pela agilidade e dinamismo com que podem ser formalizadas, quanto por sua
capacidade de melhor disciplinar as condições de trabalho de acordo com as
especificidades e peculiaridades observadas no dia a dia do empregado.
3 SANTOS, Enoque R. Negociação coletiva de trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. E-book,
p. 76.
4 MARTINS, Sergio P. Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 827.
5 SILVA, Walküre L. R. da. Autonomia privada coletiva. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 102, jan./dez. 2007, p. 144. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67753/70361. Acesso em: 24 mai. 2024.
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Em razão disso, as normas coletivas figuram como valioso instrumento de
resolução de dissensos e assumem papel decisivo na pacificação de conflitos entre
empregados e empregadores.
Imperioso destacar que os conflitos são inerentes à relação de trabalho e se
dão mormente pela flagrante assimetria entre as partes, na qual o empregador
presumidamente ocupa posição privilegiada. Isso se dá porque o trabalho se
encontra, desde o desaparecimento da escravidão e do modelo servil, no ponto de
encontro da servidão e da liberdade. Isso porque “mesmo entre homens livres e
iguais, o trabalho implica a organização de uma hierarquia, a submissão de uns ao
poder de outros”6 . Ao ser formalizado um contrato de emprego, o empregado aceita
submeter-se a outro em troca de uma contraprestação financeira, o que, por si só,
já evidencia o desequilíbrio de forças entre as partes.
Ademais, como explica Polanyi7, a economia de mercado, instaurada
sobretudo a partir da revolução industrial, transforma o trabalho em uma mercadoria
fictícia: por mais que ele em si não seja uma mercadoria, passa a ser enxergado
como uma, tendo em vista que é essencial ao sustento da lógica econômica vigente
e, portanto, precisa estar organizado em um mercado, como um produto a ser
livremente negociado. Dessa forma, o trabalhador está adstrito a essa realidade,
sendo compelido a vender sua força de trabalho e, com isso, submeter-se a um
mercado regulado por leis que nem sempre ou quase nunca lhe são favoráveis.
Não se pode esquecer, ainda, que há um inconciliável embate de interesses
intrínseco ao vínculo entre empregado e empregador: enquanto o primeiro vende a
sua força de trabalho com o objetivo de, ao menos, garantir a sua subsistência, o
segundo se vale do trabalho humano para obter lucros. Precisamente por isso, a
constante demanda do obreiro é por melhores condições de trabalho para que estas
possam lhe garantir melhores condições de vida. Já o empregador procura organizar
a sua atividade mirando o incremento de seus ganhos, o que significa enxugamento
de custos.
6 SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Trad. de António Monteiro Fernandes. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2016. p. 11.
7 POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Trad. de Fanny Wrabel. 2. ed.
Rio de Janeiro: Campus, 2000. p 93-94.
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Na medida em que interesses tão distintos convivem tendo por pano de fundo
a vulnerabilidade do obreiro frente ao empregador, podem surgir conflitos que
transcendam a esfera interindividual, isto é, que vão além do impasse entre
empregador e empregado individualmente considerados. Aludidos embates são
travados na esfera coletiva e:
[...] nascem em um conjunto de circunstâncias fáticas, basicamente
econômicas, que alteram o equilíbrio das relações entre os trabalhadores e os
empresários, causando a insatisfação daqueles quanto ao direito existente e
que entendem não mais corresponder às pretensões que julgam cabíveis para
que possam continuar fornecendo a energia de trabalho aproveitada no
interesse da produção.8
Esses conflitos podem ter, segundo Delgado9, natureza jurídica e natureza
econômica.
Os conflitos de natureza jurídica se dão a partir da divergência entre as classes
na interpretação de dispositivos, regras e princípios já vigentes, os quais são
regulamentados por lei ou por normas coletivas pretéritas. Quando não há harmonia
a respeito do sentido que deva se extrair da norma, por óbvio haverá discordância
quanto à extensão e à profundidade de sua aplicação, o que reflete diretamente nas
condições de trabalho.
Já os conflitos econômicos, por sua vez, referem-se aos desentendimentos
entre empresários e empregados quanto a condições objetivas que circunscrevem o
ambiente e os contratos de trabalho. Originam-se a partir de reinvindicações que
m por finalidade a alteração material das condições de trabalho do grupo ou da
categoria. A característica essencial dos conflitos da espécie em comento é de ordem
teleológica: o escopo maior é o de criar novos direitos trabalhistas para um grupo.10
De uma forma ou de outra, o conflito coletivo terá um fim normativo. Urge
destacar que o embate de grupos cujos interesses caminham em sentido oposto, em
8 NASCIMENTO, Amauri M.; NASCIMENTO, Marcelo M.; NASCIMENTO, Sônia M. Compêndio de direito
sindical. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015. E-book, p. 1065-1066.
9 DELGADO, Maurício G. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr,
2019. p. 1543.
10 NASCIMENTO, Amauri M.; NASCIMENTO, Marcelo M.; NASCIMENTO, Sônia M. Compêndio de direito
sindical. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015. E-book, p. 1070.
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termos gerais, não é apenas um fenômeno de dimensões sociológicas: é também um
fato jurídico que, analisado dentro da estrutura jurídica e da organização normativa
do Estado, mostra-se indispensável ao equilíbrio da vida em sociedade e das relações
entre pessoas em grupos.11 É o embate entre grupos sociais, ainda que de maneira
acirrada, que conduzirá a sociedade a encontrar uma solução pacificadora que
contentará a todos, promovendo avanços civilizatórios e aperfeiçoamento
normativo.
No que tange ao conflito na esfera do direito do trabalho coletivo, averígua-
se que ele:
[...] é o meio de desenvolvimento de uma ação destinada a obter as normas
que faltam para que as relações de trabalho prossigam em termos de um
equilíbrio que foi afetado pelo interesse coletivo dos trabalhadores em
melhores condições de trabalho.12
O conflito coletivo, portanto, é o empuxo que faz com que permaneça
constante o fluxo ascendente de melhorias nas condições e trabalho de determinada
classe, garantindo direitos já previstos e proporcionando a conquista de outros.
Para que isso ocorra, entretanto, é necessário que haja a resolução do conflito
e, sobretudo, que o seu desfecho seja conduzido pela composição amigável das
partes. Assim sendo, “a solução do conflito sempre terá maior eficácia quando
resultar do consentimento dos conflitantes no exercício da autonomia da vontade”
por meio das negociações coletivas.13
É justamente nesse sentido que as normas coletivas exsurgem como
protagonistas dentre os métodos de solução de conflitos coletivos. Sendo a expressão
máxima da autonomia privada coletiva, resguardam em seu bojo a vontade das
partes, garantindo maior legitimidade à solução que se deu ao conflito. Além disso,
a negociação coletiva representa o reequilíbrio da relação entre as classes
trabalhadora e empresária, dando voz e representatividade aos empregados.
11 NASCIMENTO, Amauri M.; NASCIMENTO, Marcelo M.; NASCIMENTO, Sônia M. Compêndio de direito
sindical. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015. E-book, p. 386.
12 NASCIMENTO, Amauri M.; NASCIMENTO, Sônia M. Curso de direito do trabalho: história e teoria
geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 29. ed. São Paulo: Saraiva,
2014. E-book, p. 1066.
13 NASCIMENTO, Amauri M.; NASCIMENTO, Marcelo M.; NASCIMENTO, Sônia M. Compêndio de direito
sindical. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015. E-book, p. 386.
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Campinas, v.7, p. 1-24, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.182.
Imperioso destacar que as negociações coletivas não versam apenas a respeito
das condições de trabalho. É também o ambiente em que empregadores e
empregados estabelecem “todas as demais relações entre si, mediante um
procedimento dialético previamente definido, que se deve pautar pelo bom senso,
boa-fé, razoabilidade e equilíbrio entre as partes diretamente interessadas.”14
Nesse aspecto, entende-se que além de sua função normativa, a negociação
coletiva carrega consigo uma função política. Conforme lição de Amauri Mascaro
Nascimento15, a negociação coletiva é uma forma de diálogo que se dá entre grupos
sociais no âmbito de uma sociedade democrática, de modo a valorizar a ação de seus
interlocutores e confiar-lhes poder para que resolvam as suas divergências tendo por
norte o interesse geral.
Ainda segundo ele, os conflitos trabalhistas podem acirrar os ânimos dos
indivíduos e desencadear embates sociais, o que resultará em perturbação ao
equilíbrio do sistema político. Considerando que não é atraente a qualquer Estado
perpetuar a luta entre as classes, tampouco incentivar o surgimento de novos
conflitos e instabilidades, é de interesse geral que se caminhe sempre em direção ao
estabelecimento de mecanismos que tragam a paz social.
Com efeito, Nascimento pontua, por fim, que a negociação coletiva carrega
consigo um poder pacificador e de gerar estabilidade política. Sendo ela o meio pelo
qual se reconstrói o equilíbrio entre a classe trabalhadora e a patronal, e que aludido
equilíbrio é fundamental à manutenção da ordem política, a negociação coletiva é
um instrumento político de pacificação social.
Como consequência, a negociação coletiva também terá uma função social,
cujo aspecto principal é auxiliar na manutenção do equilíbrio das relações sociais.
Ela contribui para a “normalidade das relações coletivas e da harmonia no ambiente
14 SANTOS, Enoque R. Negociação coletiva de trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. E-book,
p. 79.
15 NASCIMENTO, Amauri M.; NASCIMENTO, Marcelo M.; NASCIMENTO, Sônia M. Compêndio de direito
sindical. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015. E-book, p. 122-123.
10
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SOARES, Marcos A. S.; SANTOS, Otavio A. R.; OLIVEIRA, Raul D.. Liberdade negocial sindical em uma perspectiva
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de trabalho, dela se valendo, inclusive, a lei, que para ela transfere a solução de
inúmeras questões de interesse social e de pacificação social.” 16
Outro aspecto importante da função social da negociação coletiva reside no
fato de que é por meio dela que a classe trabalhadora alça um lugar de equidade em
relação ao empregador. Como é cediço, o trabalhador, sozinho, não tem condições
de negociar a contento com o empregador. [...] A subordinação, retira a
possibilidade de nivelamento para discussão livre de interesses em desfavor do
subordinado.17
É por meio dela que os empregados ganham força de barganha, dando
visibilidade aos seus anseios e tendo condições de impor suas demandas.
Sobre esse ponto, Martins18 afirma que a negociação coletiva será detentora
de uma função social na medida em que garante aos trabalhadores a participação
nas decisões empresariais. Já Delgado19 assevera que, desde que estruturada de
modo democrático, a negociação coletiva é um dos mais relevantes instrumentos de
democratização do poder no âmbito social que se conhece nas sociedades
democráticas modernas.
Em vista disso, Enoque Ribeiro dos Santos20 declara que a negociação coletiva
terá também uma outra importante função: a participativa. Segundo o jurista, ela é
uma forma de participação do trabalhador na tomada de decisões e na eleição das
prioridades a serem estabelecidas no que concerne à relação de emprego. É uma
forma pela qual os trabalhadores ganham uma voz potente, podendo fazer-se ouvir
em suas reinvindicações.
Santos acrescenta que é somente com a representatividade efetiva de ambas
as partes no processo de negociação coletiva que será possível assegurar “a
16 NASCIMENTO, Amauri M.; NASCIMENTO, Marcelo M.; NASCIMENTO, Sônia M. Compêndio de direito
sindical. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015. E-book, p. 434.
17 NASCIMENTO, Amauri M.; NASCIMENTO, Sônia M. Curso de direito do trabalho: história e teoria
geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 29. ed. São Paulo: Saraiva,
2014. E-book, p. 122.
18 MARTINS, Sergio P. Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 831.
19 DELGADO, Maurício G. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr,
2019. p. 1541.
20 SANTOS, Enoque R. Negociação coletiva de trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. E-book,
p. 123.
11
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coexistência não conflituosa dos parceiros sociais, [...] impulsionando a conveniência
de partes tão díspares, desde que estas se submetam a um núcleo mínimo
inderrogável de direitos, normas e de princípios trabalhistas.”21
Por essas razões, é fundamental que a classe empregada detenha condições
de organizar-se coletivamente, estabelecer os pontos de interesse comuns ao grupo
e, acima de tudo, ter a capacidade de negociação frente aos empregadores para
estabelecer de modo dialético a solução dos conflitos que permeiam a relação de
emprego. “Esta colocação em cena convida os trabalhadores a reconhecerem-se nas
suasorganizações representativas; suas porque são juridicamente habilitadas para
defender os seus interesses comuns face aos dos empregadores.”22
Daí decorre a imprescindibilidade dos sindicatos para o exercício da autonomia
privada coletiva: não existirá um ser coletivo obreiro, utilizando-se da expressão
empregada por Delgado, sem que haja a criação e o fortalecimento de organizações
coletivas de trabalhadores que detenham conhecimento técnico e legitimidade para
representar os interesses da classe. Com efeito, os trabalhadores:
[...] somente se tornam uma organização caso se estruturem, grupalmente,
nesse sentido. E somente serão capazes a produzir, com regularidade, atos
de repercussão comunitária ou social caso se organizem de modo racional e
coletivo para tais fins.23
É por isso que as normativas que incidirão no contexto da negociação coletiva
são voltadas essencialmente à atuação dos sindicatos.
Estabelecida e representada a coletividade de trabalhadores, a negociação
coletiva atingirá os seus escopos, manifestando socialmente as funções acima
elencadas, desde que presentes algumas condições. Martins24, a esse respeito,
condensa as diretrizes gerais que devem ser observadas no processo de negociação
21 SANTOS, Enoque R. Negociação coletiva de trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. E-book,
p. 123.
22 SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Trad. de António Monteiro Fernandes. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2016. p. 118.
23 DELGADO, Maurício G. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr,
2019. p. 1555.
24 MARTINS, Sergio P. Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 833.
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coletiva da seguinte maneira: a) é preciso que haja garantia de segurança aos
negociadores, para que possam expor suas ideias com liberdade; b) deve-se manter
a disciplina e o respeito mútuo entre os negociantes e; c) as partes devem agir com
lealdade e boa-fé. Partindo-se dessas orientações gerais, exsurgem alguns princípios
dignos de nota.
Muito provavelmente o mais notável entre eles, o princípio da liberdade
sindical confere aos trabalhadores a possibilidade de sindicalizarem-se, isto é,
organizarem, fundarem e associarem-se a órgãos representativos de classe. Mas não
se resume a isso: não haveria qualquer razão para a sua existência caso aos sindicatos
não fosse possível atuar de maneira efetiva. Destarte, desdobram-se do princípio em
comento as garantias à atuação sindical. Em outras palavras, o princípio da liberdade
sindical impõe ao Estado que “estipule garantias mínimas à estruturação e atuação
dos sindicatos, sob pena de não poderem cumprir seu papel de real expressão da
vontade coletiva dos respectivos trabalhadores.”25
Não basta que seja conferida aos trabalhadores a possibilidade de
organizarem-se em sindicatos, sendo tão imprescindível quanto a garantia de que tal
órgão de classe poderá exercer a sua autonomia privada coletiva, fazendo frente às
pressões e imposições advindas do patronato e tendo voz ativa para apresentar suas
reivindicações. Um sindicato esvaziado de força de atuação representa a dominação
da classe trabalhadora e a sua sujeição sem resistências aos interesses estritamente
econômicos.
Assegurar aos trabalhadores que eles não sofrerão interferência por parte do
Estado ou de particulares ao manifestarem o desejo de sindicalizarem-se não
garante, por si só, a liberdade sindical. Mais do que serem livres para se associarem,
os trabalhadores deverão ter liberdade para atuar sem qualquer tipo de
constrangimento. Os conflitos somente alcançam um desfecho pacificador quando os
sindicatos conseguem, por meio de estruturas sólidas, apresentar efetivamente as
25 DELGADO, Maurício G. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18ª ed. São Paulo: LTr,
2019. p. 1560.
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suas demandas, fazendo frente às imposições que a realidade de mercado
estabelece.
Intimamente ligado à liberdade sindical e de garantia de atuação sindical, o
princípio do contraditório figura também como um importante vetor. Segundo
Santos26, é da dialética inerente ao processo de negociação coletiva que as partes
chegarão a um acordo de interesses. O contraditório faz parte do diálogo social e é
fundamental à resolução dos conflitos, mormente quando estão em jogo interesses
tão antagônicos como nas relações de trabalho. Os sindicatos não podem, em meio
à negociação coletiva, estar limitados a aceitar ou não a proposta apresentada,
tampouco adstritos entre esta ou aquela opção que lhe são oferecidas. Caso assim
ocorra, estarão novamente dominados e reduzidos aos interesses da classe patronal,
tolhidos de liberdade. O contraditório pressupõe que ambos os negociantes
exponham livremente suas demandas e, a partir do diálogo, alcancem um
denominador comum.
Convém mencionar, também, que aludido contraditório, conforme lição de
Santos, precisa ser colaborativo e orientado pelo princípio da solidariedade entre os
grupos que o compõem, de modo que trabalhem juntos na resolução do conflito, sem
se sobreporem um ao outro. Para que isso ocorra, os negociantes devem guardar a
boa-fé, ou seja, adequarem as suas condutas a um tipo médio social de bom
trabalhador e bom homem de negócio, as quais implicam um agir correto, sem
desvios.
É fundamental destacar, ademais, o princípio da equivalência entre os
contratantes coletivos. Esse princípio se manifesta em um duplo aspecto, conforme
leciona Delgado27: o da natureza e o dos processos característicos de atuação dos
seres coletivos do trabalho.
Em primeiro lugar, no que tange à natureza, ambas as partes que compõem
uma negociação coletiva são, e precisam ser, entes coletivos, atuando em nome de
26 SANTOS, Enoque R. Negociação coletiva de trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. Ebook,
p. 106.
27 DELGADO, Maurício G. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr,
2019. p. 1567.
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interesses gerais do grupo que representam. Assim, consigna Delgado, a natureza
coletiva do sindicato deverá ser real, e não mera formalidade ilusória. Os sindicatos
deverão contar com estruturas sólidas, que de fato possuam relevância
representativa. Isso porque “a entidade sindical frágil e sem representatividade
verdadeira consiste na antítese da ideia de sindicato [...], dificilmente sendo apta a
realmente deter a natureza de ser coletivo obreiro.”28
Em segundo, continua Delgado, quanto à atuação das partes no processo de
negociação, é fundamental que contem com instrumentos eficazes de atuação e
pressão. É preciso que haja paridade de armas entre os entes, de modo que se
estabeleça a igualdade de pretensões. Nesse sentido, o ente sindical deverá ser
dotado de instrumentos que lhe confiram a capacidade de reduzir o desequilíbrio
existente entre trabalhador e empregador.
Nota-se que:
[...] por mais que haja a necessidade de adequação das normas trabalhistas
em razão das mudanças nas relações de trabalho nacionais, há, em razão
da heterogeneidade da população brasileira, a impossibilidade de as mesmas
não serem feitas emulando práticas de países desenvolvidos.29
Dessa forma, as soluções precisam ser adequadas à realidade brasileira. Já em
relação aos sindicatos, “na jurisprudência do STF, há um reconhecimento oportunista
ou, ainda, um não reconhecimento das organizações coletivas de trabalhadores. E
essa desvalorização encontra correspondência histórica tanto nas experiências
autoritárias brasileiras [...]”30. Reflexo da racionalidade neoliberal, contribuindo
para minar a democratização da sociedade e da atuação estatal.
Finalmente, urge consignar que:
Mesmo quando instauradas as liberdades democráticas formais, caso não
sejam acompanhadas de um Direito Coletivo igualmente democrático, cria-se
28 DELGADO, Maurício G. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr,
2019. p. 1567.
29 Silva da Cunha, M., & Jorge Arantes, D. (2024). Dinâmica da regulação das relações de trabalho no
Brasil: da exploração da mão de obra escrava à Reforma Trabalhista de 2017. Revista Jurídica
Trabalho E Desenvolvimento Humano, 7. https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.175.
30 Renata Santana Lima, R. S. L., & Caio Afonso Borges, C. A. B. (2024). Os sindicatos na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal: uma década de desvalorização do papel dos sujeitos coletivos na
constituição do espaço público. Revista Jurídica Trabalho E Desenvolvimento Humano, 7.
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.168.
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uma contradição político-cultural intrincada no plano da sociedade, que
restringe, de modo significativo, a própria consolidação da Democracia
naquela experiência social.31
Ante todo o exposto, é possível dizer que a pacificação dos conflitos no âmbito
das relações de trabalho por meio de resoluções dialéticas e consensuais pressupõe
a liberdade concreta de atuação sindical a partir de uma relação equânime de forças
e de poder de barganha, circunscrita pelo reconhecimento mútuo de direitos e
pretensões.
2 Sindicatos e a liberdade republicana
Exigências legais como a unicidade sindical, com base territorial mínima de
município, e o enquadramento sindical por categoria são alguns dos obstáculos pelos
quais a liberdade é limitada no âmbito trabalhista brasileiro.
Sob a justificativa de que a pluralidade retiraria a força e coesão dos
sindicatos, os trabalhadores não podem optar de maneira autônoma pelas entidades
que melhor lhes representem. Isso acaba por ignorar o caráter fático-social dos
conflitos trabalhistas em favor de uma artificialidade jurídica que em muitos casos
não condiz com os reais anseios dos trabalhadores. Falta, portanto, a plena liberdade
no sindicalismo brasileiro. Essa é a lição de Gilberto Stürmer:
O sistema sindical brasileiro nasceu, cresceu e floresceu sob os nefastos
mantos do corporativismo e do intervencionismo. Embora signatário da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde a sua criação em 1919, o
Brasil não recepcionou a principal Convenção da entidade, qual seja, a nº 87,
publicada em 1948 e que dispõe sobre liberdade sindical. Foi somente com a
promulgação da atual Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, que
alguma luz de liberdade sindical surgiu no horizonte. O artigo 8º da Carta
dispõe que é livre a associação profissional ou sindical e determina que a lei
não poderá exigir autorização do Estado para a fundação do sindicato,
ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a
interferência e a intervenção na organização sindical. Ocorre que o
sindicalismo nacional ainda sofre com o intervencionismo e com a ausência de
liberdade plena. [...] Os conflitos coletivos de trabalho têm origem
sociológica antes de jurídica. O sistema legal brasileiro privilegia a negociação
coletiva de trabalho como meio de solução dos conflitos e as convenções e
31 DELGADO, Maurício G. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
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2019. p. 1541.
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acordos coletivos de trabalho como resultado da autocomposição. [...] Para
melhor aproveitamento da negociação coletiva no sistema brasileiro, deve ser
implantada a liberdade sindical plena, recepcionando a Convenção 87 da OIT,
e estabelecendo o pluralismo sindical, o enquadramento sindical livre.32
Ainda no início do século XX, convulsões políticas levaram à promulgação da
Constituição Mexicana de 1917, e Alemã de 1919, ambas permeadas por
preocupações sociais.33 As décadas seguintes foram marcadas por eventos que
impuseram com ainda mais vigor uma mudança de paradigma em relação ao conceito
de liberdade.
No Brasil, país que até 1888 tinha sua economia baseada na exploração
escravista, o sindicalismo teve avanço tímido nas primeiras décadas do século
passado, concentrado, em sua maioria, nos setores envolvidos com a produção
agroexportadora principal atividade nacional , como os portos e ferrovias
destinados ao escoamento do café. É apenas a partir de 1930, com o declínio da
hegemonia cafeeira, que o Estado, sob o Governo de Getúlio Vargas, passa a
regulamentar as relações trabalhistas, o que culmina, em 1943, na Consolidação das
Leis do Trabalho.34
Até a Constituição de 1988, pouca coisa mudou com relação à liberdade
sindical brasileira, cuja regulamentação permanecia atrelada ao ideário
corporativista e autocrático inspirado no fascismo italiano com o qual Vargas tinha
afinidade. A nova Carta Constitucional trouxe avanços democráticos, como o fim da
intervenção do Estado sobre os sindicatos por meio do Ministério do Trabalho e a
previsão do direito coletivo fundamental de greve. No entanto, alguns pilares
corporativistas do passado foram mantidos, em uma flagrante contradição
antidemocrática. Essa é a lição de Maurício Godinho Delgado, para quem:
32 STÜRMER, Gilberto. A efetividade dos direitos sociais constitucionais e a liberdade sindical. Revista
Seqüência, Florianópolis, v. 30, n. 58, p. 17, jul./2009. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2009v30n58p9. Acesso em:
24 maio 2024.
33 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
constitucional. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 308.
34 DELGADO, Maurício G. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr,
2019. p. 1625.
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A superação do modelo corporativista sindical brasileiro é, desse modo,
desafio inadiável à construção de uma sólida e consistente experiência
democrática no País. Contudo, não se trata, singelamente, de suprimir os
pontos retrógrados do antigo sistema, já exaustivamente debatidos. Trata-se,
também, ao mesmo tempo e na mesma medida, de elaborar-se um conjunto
de garantias jurídicas à efetivação, organização e fortalecimento sindicais,
para que os princípios da livre associação, da autonomia sindical e da real
equivalência entre os contratantes coletivos trabalhistas não sejam mero
simulacro, uma vez mais, na história brasileira. [...] Isso quer dizer que não
há, portanto, qualquer contradição entre o implemento de plena liberdade e
autonomia ao sindicalismo com a presença de garantias legais claras e firmes
aptas a assegurarem a mais transparente legitimidade representativa sindical
e o mais eficaz dinamismo reivindicativo das entidades sindicais obreiras.
Insista-se que a transição democrática, no Brasil, somente seria completada
com a adoção de medidas harmônicas e combinadas no sistema constitucional
e legal do País: de um lado, o afastamento dos traços corporativistas restantes
do antigo modelo sindical; de outro lado porém, ao mesmo tempo e na
mesma intensidade , o implemento de medidas eficazes de proteção e
reforço à estruturação e atuação democráticas do sindicalismo na sociedade
brasileira.35
A significação da liberdade sofreu variações com o passar dos séculos36,
passando por acepções positivas liberdade “para”, ou o poder de definir seu destino
e negativas liberdade “de”, ou ausência de contenções externas.37 Enquanto em
Roma e Grécia antigas a liberdade se confundia com o exercício da cidadania, a partir
do Renascimento o instituto passou a tomar contornos diferentes, o que culminou no
liberalismo pós-revolução francesa, quando a autonomia do homem foi alçada a
patamares que favoreceram o individualismo. Após a hegemonia dessa visão de
liberdade por aproximadamente duzentos anos, sua forma de compreender o mundo
já demonstrava sinais de fadiga. É nesse contexto que surge na Universidade de
Cambridge uma nova escola de pensamento baseada no resgate de ideais
republicanos adaptados à um mundo pós-moderno.38
35 DELGADO, Maurício G. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr,
2019. p. 1634.
36 CONSTANT, Benjamin. A liberdade dos antigos comparada à dos modernos. São Paulo: Atlas, 2015.
p. 14.
37 BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade. In: HARDY, H.; HAUSHEER, R. (org.) Estudos sobre a
humanidade: uma antologia de ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 16.
38 SILVA, Ricardo Liberdade e lei no neo-republicanismo de Skinner e Pettit. Lua Nova, São Paulo, n.
74, p. 153, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ln/a/z7x4mkpvVTJVMn9wPSHWMNq/
Acesso em: 24 mai. 2024.
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Campinas, v.7, p. 1-24, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.182.
O ressurgimento do interesse pelo pensamento republicano (republican
revival) sobretudo em sua vertente romana, o que passou a ser chamado de roman
turn (guinada romana, em tradução livre) pela ciência política contemporânea, foi
introduzida pelo trabalho de dois autores britânicos: Quentin Skinner e Philip Pettit.
O primeiro, centrado na história das ideias, buscou demonstrar a influência do
pensamento romano sobre os autores do Renascimento. O segundo, já no campo da
ciência política, valeu-se dos estudos históricos de seu colega para explorar o
conceito de liberdade como não-dominação. A partir de então:
[...] o interesse por Roma se tornou o produto do esforço de diferentes
analistas contemporâneos que, de início recuperando autores que teriam
sido influenciados por Políbio, Cícero, Lívio, e Ulpiano , acabaram abrindo
caminho para uma inédita reavaliação dos escritos romanos.39
É possível que exista dominação sem interferência, como o senhor que não
interfere nas decisões de seu escravo, ainda que possa.
Não importa o quão permissivo o senhor seja; o fato de depender de sua
graça e favor, o fato de viver sob seu domínio, implica uma ausência de
liberdade. A diferença entre os ideais surge no fato de que é possível haver
dominação sem interferência e interferência sem dominação.40
Dessa forma, é possível que exista interferência sem dominação, como na
obrigatoriedade do pagamento de um tributo dentro de um Estado democrático:
Posso sofrer interferências sem ser dominado por alguém: ou seja, sem me
relacionar com alguém em termos de escravo e senhor. Considere a forma
como um estado de direito interfere ao exigir que eu pague imposto de renda.
Certamente estou sujeito à coerção para pagar esse imposto, mas não estou
sujeito, pelo menos não necessariamente sujeito, a nada que se assemelhe à
vontade arbitrária de um senhor todo-poderoso. Dado que existe uma regra
de direito, aqueles que cobram impostos só poderão fazê-lo por título
processual e necessidade, e qualquer imposto que eles cobrarem os afeta
ao mesmo tempo em que me afeta: ainda que interfiram em minha vida, então
39 AGUIAR, Márlio; LOSSO, Tiago Bahia. Em termos romanos: Res publica, história e constituição na
historiografia do pensamento político e na historiografia institucional contemporâneas. Política &
Sociedade, Florianópolis, v. 20, n. 47, p. 70, jan./abr. 2021. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/78149/46913 Acesso em: 27 mai. 2024.
40 PETTIT, Philip. Liberalismo y republicanismo. In: OVEJERO, Félix; MARTÍ, José Luis; GARGARELLA,
Roberto (coord.). Nuevas ideas republicanas: autogobierno y libertad. Barcelona: Paidós Ibérica,
2004. p. 120, tradução nossa.
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eles não são capazes de interferir à vontade ou impunemente, eles não me
dominam como um mestre sobre um escravo o faria.41
A escola neorrepublicana de pensamento político surge na segunda metade do
século passado e logo se torna “um dos desenvolvimentos mais importantes da teoria
política contemporânea. Os defensores do republicanismo argumentam que ele pode
informar e enriquecer a teoria e a prática política democrática.”42 Essa é uma
resposta aos problemas enfrentados pelos Estados Democráticos nas últimas décadas.
De fato, a liberdade sindical, em um país que se pretende democrático, precisa
garantir esses três “núcleos ideais”, ou seja, que os trabalhadores sejam realmente
livres, no sentido de não se encontrarem sob o manto da dominação, seja ela estatal
ou patronal; que a pluralidade proporcionada pela livre e plena associação sindical
possa representar, efetivamente, todos os interesses em jogo; e que essa
participação plural e democrática possa contestar e debater as ideias conflitantes.
A discussão contemporânea acerca da liberdade foi sistematizada por Isaiah
Berlin em sua distinção entre liberdade positiva e negativa generalizando a
distinção já traçada por Benjamin Constant sobre a liberdade dos antigos e dos
modernos.43 A liberdade negativa seria a ausência de contenções externas sobre a
vontade. Nessa concepção, livre seria quem pode fazer o que deseja, falar o que
pensa, ir aonde bem entender ou associar-se com quem desejar, além de outras
liberdades tradicionais liberdade como não interferência. Já a liberdade positiva
vai além. Seria o poder de participar na autodeterminação coletiva e não se sujeitar
a dominação de outrem. Cesar Augusto Ramos, diferenciando liberais de
republicanos, pontua que:
41 PETTIT, Philip. Liberalismo y republicanismo. In: OVEJERO, Félix; MARTÍ, José Luis; GARGARELLA,
Roberto (coord.). Nuevas ideas republicanas: autogobierno y libertad. Barcelona: Paidós Ibérica,
2004. p. 120, tradução nossa.
42 ZHAO, Xinzhi. A Ciceronian Defense of Democratic Participation. Política & Sociedade,
Florianópolis, v. 20, n. 47, p. 103, jan./abr. 2021, tradução nossa. Disponível em:
file:///C:/Users/Andr%C3%A9%20Luiz%20Tylli/Downloads/administrador,+Miolo-Sociologia-47-
Cap4.pdf Acesso em: 27 mai. 2024.
43 PETTIT, Philip. Liberalismo y republicanismo. In: OVEJERO, Félix; MARTÍ, José Luis; GARGARELLA,
Roberto (coord.). Nuevas ideas republicanas: autogobierno y libertad. Barcelona: Paidós Ibérica,
2004. p. 117.
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A liberdade republicana, por sua vez, necessita ser integralizada tanto pelo
aspecto objetivo da ausência de impedimentos, quanto pelo aspecto subjetivo
da autonomia da vontade. Com isso, ela deve atender, sobretudo, ao requisito
da ausência objetiva de domínio ou de dependência. Assim, somos livres na
medida em que não somos dependentes num duplo aspecto: na ausência de
interferência e, de forma solidária, quando não se produz a dominação. Se o
domínio inexiste, o indivíduo pode exercer a sua autonomia, mas esta só é
plena se não há interferência ou impedimento. A proposta retificadora de
Pettit da liberdade como não-dominação consiste em entender que, enquanto
autogoverno, ela precisa ser completada com a ausência de interferência e
esta, com a presença do autogoverno. A liberdade não consiste, pois, tão
somente em realizar uma ação na ausência de impedimentos externos,
impedimentos estes que são proibidos por lei. Mais que isso, ela consiste em
realizar uma ação a que os indivíduos reconhecem que não têm o direito de
criar obstáculos porque a lei impeditiva da interferência dos outros, que
possibilita a livre efetividade dessa ação, emana da vontade comum e, sendo
legítima, o seu poder não é dominador, mas compatível com aquilo que nós
mais desejamos, quando vivemos em conjunto: a liberdade (autogoverno), o
fato de o homem ser senhor do seu destino e dominar a fortuna.44
Para os liberais, como em Hobbes, deveríamos renunciar a uma parcela de
nossa liberdade em troca de assegurar uma liberdade ainda maior.45 Já para os
republicanos, a própria lei cria a liberdade, não haveria renúncias nesse modelo.
Para estes, a cidadania é sinônimo de liberdade plena. É possível que exista
dominação sem interferência, como o senhor que não interfere nas decisões de seu
escravo, ainda que possa. Por outro lado, é possível que exista interferência sem
dominação, como na obrigatoriedade do pagamento de um tributo dentro de um
estado democrático.46
Ao se argumentar em favor da plena liberdade sindical, leva-se em
consideração o conceito de liberdade como a ausência de dominação, tal como
defendido por Philip Pettit47, o que afastaria os abusos do poder econômico em mais
um passo em defesa da paridade nas relações trabalhistas. Isso porque, a plena
negociação possibilitada por entidades sindicais livres gera equilíbrio entre patrões
44 RAMOS, Cesar Augusto. O modelo liberal e republicano de liberdade: uma escolha disjuntiva?
Trans/Form/Ação, Marília, v. 34, n. 1, p. 56, 2011. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/trans/a/KhR7QFrPrgF4DgMS65VwjzM/?format=pdf Acesso em: 29 mai. 2024.
45 SKINNER, Quentin. Liberdade antes do Liberalismo. São Paulo: Editora UNESP, 1999. p. 21.
46 PETTIT, Philip. Liberalismo y republicanismo. In: OVEJERO, Félix; MARTÍ, José Luis; GARGARELLA,
Roberto (coord.). Nuevas ideas republicanas: autogobierno y libertad. Barcelona: Paidós Ibérica,
2004. p. 120.
47 PETTIT, Philip. Republicanism: a theory of freedom and government. Oxford: Clarendon Press,
2002. p. 51.
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e empregados, maximizando a autonomia dos trabalhadores na medida em que
defendem seus interesses.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A autonomia dos sindicatos contribui para o avanço das condições trabalhistas
na medida das necessidades dos trabalhadores. Deve-se contribuir para a ampliação
da liberdade sindical para que a dialética trabalhista acompanhe a realidade social
subjacente. Isso significa menores restrições para a constituição dessas organizações
bem como menor ingerência em suas deliberações.
O conceito de liberdade defendido pelos liberais nos séculos passados já não
é suficiente para as demandas do presente. A visão republicana, mais próxima do
civismo, seria uma das alternativas para esse empasse, como defendem alguns
pensadores modernos.
A contribuição do cientista político irlandês Phillip Pettit na defesa da
liberdade como não dominação, resgatando o ideário republicano de civismo, se
adequa à atual conjuntura constitucional brasileira com relação ao Direito do
Trabalho. O Estado Democrático de Direito também é realizado pela deliberação
coletiva no âmbito trabalhista.
Esse modelo de liberdade e realização democrática-social demanda
deliberações e negociações livres. Apenas com a plena autonomia sindical se atingirá
a máxima eficiência entre o real interesse dos trabalhadores e as possibilidades
fáticas de suas demandas