Recebido em: 05/06/2023
Aprovado em: 07/10/2023
Trabalho nos frigoríficos do Brasil:
a constituição do precariado migrante e o papel do
recrutamento humanitário
Work at slaughterhouses in Brazil:
the constitution of the migrant precariat
and the role of humanitarian
recruitment
Trabajo en mataderos en Brasil:
la constitución del precariado migrante
y el papel del reclutamiento humanitario
Natália Demétrio
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9043947211775373
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0954-6993
Rosana Baeninger
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0425133153453333
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3817-2807
RESUMO
O artigo analisa a constituição do nicho de trabalho formado por migrantes
internacionais nos frigoríficos do Brasil. Sob o olhar teórico do precariado
migrante, das solidariedades étnicas, das redes migratórias e das migrações
dirigidas, discute-se a centralidade do recrutamento humanitário nesse
processo. Do ponto de vista metodológico, o texto fundamenta-se na
Pesquisa Imigração no Brasil: Inserção Laboral e Condições de Vida para
melhor elucidar as dinâmicas que vinculam migrantes internacionais à
agroindústria da carne. Dividido em três partes principais, o artigo revisita
diferentes estratégias de mobilização do trabalho migrante no país,
atentando-se para as especificidades do momento atual e do setor de
interesse, em que nem o Brasil trata-se do país desejado, nem as
solidariedades étnicas dão conta de explicar a inserção laboral
especializada.
PALAVRAS-CHAVE: frigoríficos; inserção laboral; migrações Sul-Sul.
ABSTRACT
The article analyses the constitution of the job niche formed by
international migrants in slaughterhouses in Brazil. Under the theoretical
perspective of the migrant precariat, ethnic solidarities, migratory networks
and directed migrations, the centrality of humanitarian recruitment in this
process is discussed. From a methodological point of view, the text is based
on the Research Immigration in Brazil: Labor Insertion and Living Conditions
to better elucidate the dynamics that link international migrants to the meat
agroindustry. Divided into three main parts, the article revisits different
strategies for mobilizing migrant labour in the country, paying attention to
the specificities of Brazil and this sector, where neither the destination is
the desired country, nor ethnic solidarities are able to explain specialized
labour insertion.
KEYWORDS: labour insertion; slaughterhouses; south-south migrations.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
DEMÉTRIO, Natália; BAENINGER, Rosana. Trabalho nos frigoríficos do Brasil: a constituição do precariado migrante e
o papel do recrutamento humanitário. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-
37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
RESUMEN
El artículo analiza la constitución del nicho de trabajo formado por
migrantes internacionales en mataderos de Brasil. Bajo la perspectiva
teórica del precariado migrante, las solidaridades étnicas, las redes
migratorias y las migraciones dirigidas, se discute la centralidad del
reclutamiento humanitario en este proceso. Desde un punto de vista
metodológico, el texto se basa en la Investigación Inmigración en Brasil:
Inserción Laboral y Condiciones de Vida para dilucidar mejor las dinámicas
que vinculan a los migrantes internacionales con la agroindustria cárnica.
Dividido en tres partes principales, el artículo revisa diferentes estrategias
para movilizar mano de obra migrante en el país, prestando atención a las
especificidades de Brasil y de este sector, donde, ni el destino es el país
deseado, ni las solidaridades étnicas pueden explicar la inserción laboral
especializada.
PALABRAS CLAVE: inserción laboral; mataderos; migraciones sur-sur.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo analisar a constituição de um nicho de trabalho
migrante nos frigoríficos do Brasil. Ao apresentar o recrutamento humanitário como
dimensão central nesse processo, o trabalho revisita as perspectivas teóricas sobre
inserção laboral nas migrações Sul-Norte, destaca as particularidades dos fluxos Sul-
Sul e as raízes históricas associadas a esse fenômeno no país. Nessa direção, o texto
recupera diferentes estratégias de mobilização do trabalho migrante no país da
formação do Estado-Nação à globalização de modo a reconstituir as distintas
representações do imigrante ideal1 ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, cada uma das
quais associadas a um regime de acumulação2 específico.
Em primeiro lugar, discute-se o modelo agroexportador, a construção da
identidade nacional e as cargas ideológicas presentes na transição para o trabalho
1 SEYFERTH, G. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 53, p.
117-149, mar./maio 2002. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/33192.
Acesso em: 09 nov. 2023.
2 HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo:
Edições Loyola, 1992.
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o papel do recrutamento humanitário. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-
37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
livre3. Em segundo lugar, no período nacional-desenvolvimentista, já sob
protagonismo das migrações internas, as migrações internacionais assumem uma
dimensão dirigida, orientada por organismos internacionais, em convênio com
autoridades brasileiras, direcionada para a industrialização paulista4. À luz da
construção social do imigrante internacional europeu e trabalhador, desde o final do
século XIX, ao entrar no século XXI, o artigo indica as transformações associadas ao
regime de acumulação flexível5, com a presença do precariado migrante6 e do
recrutamento humanitário.
Desse modo, o artigo revela a “maneira pela qual o Estado brasileiro
engendrou e geriu” diferentes fluxos migratórios, atribuindo imagens estigmatizadas
sobre o papel do imigrante na constituição da força de trabalho e da nacionalidade7.
Essa revisão bibliográfica possibilita avaliar as dinâmicas específicas do recrutamento
humanitário frente aos processos históricos que tradicionalmente viabilizaram o
encontro entre empregadores e migrantes internacionais no Brasil, fato que coloca
questões específicas à compreensão do precariado migrante nos frigoríficos desse
país.
Essa discussão tem o respaldo das evidências empíricas obtidas pela Pesquisa
Imigração no Brasil: Inserção Laboral e Condições de Vida. Seus resultados reforçam
as possibilidades abertas pela perspectiva teórica e metodológica do sujeito-ator nas
investigações sobre migração internacional e as instâncias específicas de formação
do precariado migrante8 no Brasil e nesse setor.
3 SEYFERTH, G. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 53, p.
117-149, mar./maio 2002. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/33192.
Acesso em: 09 nov. 2023.
4 SALLES, M. R. R.; PAIVA, O. C.; BASTOS, S. R. Profissão e destino dos imigrantes italianos entrados
em São Paulo no Pós-Segunda Guerra Mundial. In: BAENNGER, R.; DEDECCA, C. S. (org.). Processos
migratórios no Estado de São Paulo: estudos temáticos. Campinas: Núcleo de Estudos de População,
2013. p.129-142.
5 HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo:
Edições Loyola, 1992.
6 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013.
7 VAINER, C. B. Estado e migração no Brasil: da imigração à emigração. In: PATARRA, N. L. (coord.).
Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996. p. 41.
8 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013.
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1. As ‘imagens do imigrante ideal’ e a mobilização para o trabalho no regime de
acumulação agroexportador
Ao longo do século XIX, o apelo à migração internacional respondeu a um
projeto de branqueamento da população e contou com forte subsídio e controle
governamental. Entendida como parte das “reformas necessárias para transformar o
Brasil num país” distante “do escravismo”9, a chegada de trabalhadores brancos e
obedientes à lei foi concebida como solução para o “problema da mão de obra” então
vigente10. Por um lado, a consolidação das fronteiras nacionais demandava a
ocupação de territórios estratégicos. Por outro, “as sucessivas medidas visando à
abolição da escravatura” levantava a preocupação sobre o “quantitativo” da força
de trabalho necessária para a grande lavoura de exportação11.
Em ambas as situações, a escolha pela migração internacional refletiu as
cargas ideológicas associadas à mão de obra nacional, formada por negros e mestiços,
socialmente representados como indisciplinados, ociosos, violentos e não afeitos ao
trabalho livre12. Para Bassanezi13, a política migratória brasileira, ao longo dos
séculos XIX e XX, expressou a “necessidade de preservar e desenvolver, na
composição étnica da população, as características mais desejáveis de sua
ascendência europeia”. Na interpretação de Seyferth14, o “imaginário nacionalista
obsessivamente apegado a um sentido étnico de formação nacional” não apenas criou
9 SEYFERTH, G. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 53, p.
120, mar./maio 2002. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/33192.
Acesso em: 09 nov. 2023.
10 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 11.
11 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 4.
12 BALÁN, J. Migrações e desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaio de interpretação histórico-
comparativa. Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 5, p. 5-79, jul./set.1973.
13 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 4-5.
14 SEYFERTH, G. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 53,
p. 120, mar./maio 2002. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/33192.
Acesso em: 09 nov. 2023.
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37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
uma hierarquia de nacionalidades na formação do trabalhador nacional,
“privilegiando imigrantes de comprovada latinidade”, “como reafirmou os
preconceitos racialistas de desqualificação dos ‘nativos da Ásia e [principalmente]
da África’”.
Sob o crivo dessas seletividades étnicas, 4 milhões de imigrantes chegaram ao
Brasil entre 1872 e 1929, a maior parte deles vindos de Portugal, Itália, Espanha e
Alemanha15. As estimativas do Censo Demográfico de 1900 apontaram cerca de um
milhão de imigrantes internacionais residentes no país, cuja população total foi
estimada em pouco mais de 17 milhões de habitantes16. Desse total, metade residia
no Estado de São Paulo, outros 250 mil no Rio de Janeiro e 135 mil no Rio Grande do
Sul. Juntos, Sudeste e Sul concentravam quase 97% de todos os imigrantes
recenseados17.
O Estado foi o principal financiador desse processo. As pesquisas feitas por
Hall18 apontam que, em 1884, ano de alta do preço do café, 11% do orçamento da
Província de São Paulo foi usado para os custos da importação de europeus. Nessa
mesma década, contratou-se um grande empréstimo com a Inglaterra (estimado em
7 mil contos: o dobro da receita anual de São Paulo) para cobrir os gastos com a
imigração. Esse recurso “absorveu aproximadamente três quartos do orçamento da
província durante os dois últimos anos do Império”, e pagou a chegada de 220 mil
imigrantes19.
15 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 1-38.
16 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 1-38.
17 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 1-38.
18 HALL, M. M. Os fazendeiros paulistas e a imigração. In: SILVA, Fernando Teixeira da. et al. (org.).
República, Liberalismo, Cidadania. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2003. p. 154-163.
19 HALL, M. M. Os fazendeiros paulistas e a imigração. In: SILVA, Fernando Teixeira da. et al. (org.).
República, Liberalismo, Cidadania. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2003. p. 156.
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A mobilização de toda essa população combina as mudanças estruturais do
capitalismo europeu entre meados do século XIX e começo do XX com pesada
propaganda sobre o Brasil. Nas palavras de Vainer20:
Enquanto, no exterior, numa Europa às voltas com a crise agrária, nossos
consulados distribuíam prospectos anunciando a abundância de terra e as
amenidades climáticas do país, montava-se no Brasil uma estrutura logística
para conduzir os imigrantes ao devido lugar: as fazendas.
Tão logo desembarcavam em Santos, eram “fechados e trancados nos vagões
da companhia de estrada de ferro”, que os conduzia diretamente ao “pátio da
Hospedaria dos Imigrantes”, em São Paulo. Impedidos de circular na cidade, os
imigrantes apenas deixavam o prédio da instituição quando determinada “a fazenda
para a qual fora destinado”21. Devidamente contratados, eram novamente
embarcados e transportados para a estação mais próxima da fazenda contratante,
onde o patrão já aguardava o recebimento de “seu novo trabalhador” 22.
Priorizou-se a vinda de famílias, para diminuir a incidência da reimigração; de
trabalhadores agrícolas, “de modo a evitar a introdução de elementos cosmopolitas
e perigosos”; e população de baixa renda: pobres que não pudessem comprar suas
próprias terras, nem abrir pequenos negócios, sendo obrigados a trabalhar nas
fazendas de café23. Diferente do afirmado pela bibliografia conservadora, para a qual
a abolição no Brasil viabilizou a imigração de massa, “a relação seria melhor
compreendida ao contrário: a imigração em grande escala tornou possível a
abolição”24 . Segundo Singer25, o fim da escravidão “poderia ter ferido as oligarquias
agroexportadoras de morte, como seus porta-vozes não se cansavam de antecipar.
20 VAINER, C. B. Estado e migração no Brasil: da imigração à emigração. In: PATARRA, N. L. (coord.).
Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996. p. 41.
21 VAINER, C. B. Estado e migração no Brasil: da imigração à emigração. In: PATARRA, N. L. (coord.).
Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996. p. 41.
22 VAINER, C. B. Estado e migração no Brasil: da imigração à emigração. In: PATARRA, N. L. (coord.).
Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996. p. 41.
23 HALL, M. M. Os fazendeiros paulistas e a imigração. In: SILVA, Fernando Teixeira da. et al. (org.).
República, Liberalismo, Cidadania. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2003. p. 121.
24 HALL, M. M. Os fazendeiros paulistas e a imigração. In: SILVA, Fernando Teixeira da. et al. (org.).
República, Liberalismo, Cidadania. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2003. p. 121.
25 SINGER, P. Evolução da economia e vinculação internacional. In: SACHS, I.; WILHEIM, J.; PINHEIRO,
P. S. Brasil: um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 81.
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37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
Mas aconteceu justamente o contrário”. A imigração europeia proporcionou “ampla
oferta de força de trabalho, capaz de suprir com largueza a lacuna aberta com a
saída em massa dos escravos das fazendas”26.
2. “Imigrante ideal’ para a industrialização paulista
O começo do século XX marcou uma drástica alteração na política migratória
brasileira. Segundo Paiva27, a “construção de uma representação sobre a falta
crônica de mão de obra” para a indústria emergente culminou no esforço do governo
paulista em reestruturar a política de subsídio à migração, orientada, a partir de
1930, “para a vinda de trabalhadores nacionais”. De bons funcionários do período
anterior, os operários de origem estrangeira passaram a ser vistos como anarquistas
rebeldes e sindicalizados, enquanto os migrantes nordestinos traziam os estereótipos
da obediência, subordinação e pobreza. É nesse sentido que o autor nos alerta para
a “necessidade de decodificar a política migratória na perspectiva de sua relação
com a mudança do perfil da mão de obra urbana”28.
O fim do subsídio público à migração internacional, a partir de 1927, reduziu
drasticamente esse fenômeno29. Ainda assim, no pós-Segunda Guerra, acordos
bilaterais firmados entre o governo brasileiro e agências internacionais trouxeram ao
país várias famílias vítimas dos conflitos armados e perseguições em seus países de
origem30. Surge, então, “a chamada imigração ‘dirigida’, isto é, orientada por
26 SINGER, P. Evolução da economia e vinculação internacional. In: SACHS, I.; WILHEIM, J.; PINHEIRO,
P. S. Brasil: um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 81.
27 PAIVA, O. da C. Caminhos cruzados: migração e construção do Brasil Moderno (1930-1950). Bauru:
EDUSC, 2004. p. 31.
28 PAIVA, O. da C. Caminhos cruzados: migração e construção do Brasil Moderno (1930-1950). Bauru:
EDUSC, 2004. p. 77.
29 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 1-38.
30 PAIVA, O. da C. Caminhos cruzados: migração e construção do Brasil Moderno (1930-1950). Bauru:
EDUSC, 2004.
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37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
organismos internacionais [...], em convênio com autoridades brasileiras”, alocada
em áreas específicas do mercado de trabalho31.
Para Salles, Paiva e Bastos32, a nova dinâmica econômica do país alterou a
política migratória nacional, cada vez mais orientada pela demanda por mão de obra
técnica e qualificada “para indústria e agricultura que se mecanizavam,
especialmente no Estado e na Cidade de São Paulo”. Os trabalhos de Bassanezi33
apontam a chegada ao Brasil de 112 mil europeus através do CIME (Comissão
Intergovernamental para Migrações Europeias), ao longo dos anos 1950. Para
Moreira34, a visão do governo brasileiro era de que os refugiados europeus
pertenciam “a raças de elevado nível material e cultural”, fazendo com que
interesses internos e internacionais convergissem para a chegada dessa população.
A partir dos anos 1960, a pequena relevância numérica da migração
internacional corroborou a compreensão do país como país fechado a esse fenômeno,
com a dinâmica de seu crescimento populacional sendo resultado apenas da
fecundidade e da mortalidade35. Nas palavras de Bassanezi36: “O mundo mudou e o
Brasil perdeu a antiga atração”.
31 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 7.
32 SALLES, M. R. R.; PAIVA, O. C.; BASTOS, S. R. Profissão e destino dos imigrantes italianos entrados
em São Paulo no Pós-Segunda Guerra Mundial. In: BAENINGER, R.; DEDECCA, C. S. (org.). Processos
migratórios no Estado de São Paulo: estudos temáticos. Campinas: Núcleo de Estudos de População,
2013. p. 130.
33 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 1-38.
34 MOREIRA, J. B. Política em relação aos refugiados no Brasil (1947-2010). 2012. Tese (Doutorado
em Ciência Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2012. p. 75.
35 BRITO, F. Os povos em movimento: as migrações internacionais no desenvolvimento do capitalismo.
In: PATARRA, N. L. (coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São
Paulo: FNUAP, 1996. p. 53-66.
36 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 7.
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37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
3. Século XXI: o “imigrante ideal’ na acumulação flexível
Se a segunda metade do século XX trouxe um cenário com pouca presença da
imigração internacional no Brasil, o século XXI reinsere o Brasil na rota das migrações
internacionais em função da radical transformação “na maneira de operação do
capitalismo” global. Para Harvey37, a emergência do regime de acumulação flexível
surge como resposta a uma crise global de acumulação capitalista, cuja solução
envolveu pesados investimentos em automação da produção, formação dos grandes
conglomerados transnacionais, diminuição e flexibilização dos contratos de trabalho.
Na interpretação de Sassen38, a globalização implica numa alteração inédita na lógica
espacial das atividades produtivas, cada vez mais concentrada no Sul Global, em
zonas de trabalho barato e com incentivos fiscais.
Nesse sentido, os espaços selecionados pelo capital financeiro atravessam
hierarquias tradicionais, colocando enormes desafios aos estudos migratórios, cujo
foco desloca-se dos tradicionais fatores de atração/expulsão e ilumina as inúmeras
conexões estabelecidas entre o local e a produção globalizada39. Essas ligações
espelham “cartografias minuciosas dos espaços controlados” por esses
conglomerados econômicos; expressam “a busca de força de trabalho barata [e
qualificada] em todos os cantos do mundo”; e promovem “as migrações em todas as
direções”40. A maior precisão e eficiência em encontrar lugares e pessoas adequadas
aos interesses desses atores hegemônicos cria um “exército industrial de
trabalhadores, ativo e de reserva”, em escala global, “formando contingentes de
desempregados mais ou menos permanentes” em quase todos os países do mundo41.
Standing42 associa a globalização à transformação da “estrutura de classe que
sustentava a sociedade industrial”, pondo em movimento uma “classe-em-
formação”, gestada pelos ideários neoliberais de competitividade e flexibilidade. A
37 HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo:
Edições Loyola, 1992. p. 107.
38 SASSEN, S. As cidades na economia mundial. São Paulo: Studio Nobel, 2000.
39 SASSEN, S. Sociologia da Globalização. Porto Alegre: Artmed. 2010.
40 IANNI, O. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 17.
41 IANNI, O. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 21.
42 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 22-23.
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37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
crise do Estado desenvolvimentista tanto transfere os “riscos e insegurança para os
trabalhadores e suas famílias”, como evidencia o esgotamento da “relação de
emprego padrão”, protagonizada por “trabalhadores de longo prazo, em empregos
estáveis de horas fixas, com rotas de promoção estabelecidas, sujeitos a acordos de
sindicalização coletivos”43.
Surge, assim, um novo grupo social, descrito a partir da combinação entre o
adjetivo precário e o substantivo proletário44. Contrapondo-se aos princípios
norteadores do pacto fordista45, o precariado mantém “relações de confiança
mínima com o capital e o Estado”, fato que o torna completamente diferente do
assalariado clássico46. Seus integrantes alimentam “imagens de pagamento por
esforço”, esvaziando os compromissos assumidos através dos contratos sociais
tradicionalmente firmados pelo proletariado, nos quais as “garantias de trabalho são
fornecidas em troca de subordinação e eventual lealdade”47.
Ainda que parte importante do precariado se constitua de trabalhadores
pobres ou com empregos incertos, Standing48 define esse grupo mais em função da
“falta de uma identidade segura baseada no trabalho” 49. Nas palavras do autor: “O
precariado não se sente parte de uma comunidade trabalhista solidária [...], carece
de identidade ocupacional”, compartilha “um sentimento de que seu trabalho é útil
(para viver), oportunista (pegar o que vier) e precário (inseguro)”50.
Como protótipo do precariado global, tem-se os migrantes internacionais,
grupo no qual a velocidade com que direitos básicos são desconstruídos é das mais
aceleradas entre as variedades do precariado. Tomando como base a experiência do
Norte Global, o autor identifica três expedientes principais utilizados no processo de
precarização dessa população: regulação nas autorizações de residência, nos tipos
43 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 22-23.
44 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013.
45 HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo:
Edições Loyola, 1992.
46 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 25.
47 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 25.
48 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 27.
49 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 27.
50 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 31-33.
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de vistos e nos licenciamentos profissionais. Por meio dessas instâncias, Standing51
estabelece um gradiente em termos de acesso a direitos. Na base desse espectro
estão os “os solicitantes de asilo, que praticamente não têm direito algum”. Em
seguida, tem-se os indocumentados, que vivem sob a “ameaça de deportação e sem
direito à proteção social”. Logo depois, os migrantes “com direito de residência
temporária, mas com restrições do que podem fazer legalmente de acordo com a
situação de seu visto”. Finalmente, estão aqueles com “direito à residência de longo
prazo e são formalmente autorizados a procurar empregos de sua preferência”. É
sobretudo nesse grupo que os empecilhos impostos à validação de diplomas
funcionam como recurso para empurrar “milhões de migrantes qualificados [...] a
disputar empregos ‘com desperdício de cérebros’ nos níveis mais baixos do
precariado” 52.
Ainda que essa estrutura desigual de direitos compartilhe alguns elementos
comuns, tal hierarquia não se encaixa na dinâmica das migrações internacionais no
Sul Global. Em particular no Brasil, as garantias previstas pela Nova Lei de Migração,
de 2017, e pelo Estatuto do Refugiado, desde 1997, impõe o desafio de examinar as
instâncias particulares de produção do precariado migrante nesse contexto e em
diferentes setores da economia. Com o objetivo de avançar em referências teóricas
para análise do nicho de trabalho imigrante na agroindústria da carne brasileira, o
item a seguir reforça as migrações transnacionais de refúgio Sul-Sul53 e o
recrutamento humanitário como dimensões fundamentais desse fenômeno.
3.1. Precariado migrante nos frigoríficos do Brasil
Considerada a principal forma de inserção laboral para migrantes
internacionais no Brasil54, os vínculos empregatícios de não-nacionais nos frigoríficos
51 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 147-148.
52 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 148.
53 BAENINGER, R. Migração Transnacional: elementos teóricos para o debate. In: BAENINGER, R. et al.
(org.). Imigração haitiana no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p. 13-43.
54 CAVALCANTI, L; OLIVEIRA, T.; SILVA, B. G. (org.). Imigração e refúgio no Brasil: retratos da década
de 2010. Brasília, DF: OBMigra, 2021. Disponível em:
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brasileiros passaram de meros 106 registros em 2006, para quase 30 mil em 2021,
dos quais 16 mil eram de haitianos e 10 mil de venezuelanos55. No total, ao menos
38 nacionalidades compõem esse nicho de trabalho, cujo processo de formação
inicia-se com a expansão dos frigoríficos brasileiros no contexto do Mercosul, ainda
nos anos 1990; se fortalece ao longo dos anos 2000 com o crescimento das
exportações para os países árabes56; e se consolida em anos recentes com o boom
provocado pela demanda chinesa por proteína animal57.
Acompanhando os diferentes momentos da globalização dos frigoríficos
brasileiros, a constituição desse nicho de trabalho migrante não se enquadra nas
perspectivas teóricas sobre inserção laboral de imigrantes internacionais no Norte
Global. Em primeiro lugar, esse fenômeno precisa ser compreendido diante das
especificidades do mercado de trabalho nacional, historicamente estruturado a
partir da de uma oferta abundante de mão de obra58. Em segundo lugar, é necessário
compreendê-lo à luz da grave e generalizada violação dos direitos humanos na origem
dos principais fluxos que alimentam esse setor. Em terceiro lugar, é fundamental
reforçar que, na rota das migrações transnacionais de refúgio, o Brasil surge como o
país possível, em função das mais amplas possibilidades de documentação, embora
não seja o destino desejado59.
Finalmente, em quarto lugar, esse nicho não reproduz as especializações
laborais características do mercado global de trabalho migrante, com redes de
https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Retratos_da_De
%CC%81cada.pdf. Acesso em: 09 nov. 2023.
55 Informações derivadas da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Para recortar a categoria
‘trabalho nos frigoríficos’, foram selecionados os seguintes setores de atividade da Classificação
Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), versão 2.0: Frigorífico - abate de bovinos; Frigorífico -
abate de bufalinos; Frigorífico - abate de equinos; Frigorífico - abate de ovinos e caprinos; Frigorífico
- abate de suínos; Matadouro - abate de reses sob contrato, exceto abate de suínos; Matadouro -
abate de suínos sob contrato; Abate de aves; Abate de pequenos animais; Fabricação de produtos de
carne; Preparação de subprodutos do abate.
56 SILVA, A. R. de C. Imigrantes africanos solicitantes de refúgio na indústria avícola halal brasileira.
Travessia: revista do migrante, São Paulo, n. 73, p. 21-30, jul./dez. 2013. Disponível em:
https://travessia.emnuvens.com.br/travessia/article/view/128. Acesso em: 09 nov. 2023.
57 DEMÉTRIO, N. B.; BAENINGER, R. Migração internacional e agronegócio: estudo de caso nos
frigoríficos brasileiros. In: SENHORAS, E. M. (org.). Agronegócio: agendas socioeconômicas. Boa Vista:
Editora IOLE, 2022. p. 49-96.
58 OLIVEIRA, F. de. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.
59 BAENINGER, R. Cenários das Migrações Internacionais no Brasil. In: BERQUÓ, E. (org.). Demografia
na Unicamp: um olhar sobre a produção do Nepo. Campinas: Editora da Unicamp, 2017.
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recrutamento que se iniciam ainda nos países de origem60. Também a abordagem da
exportação organizada de trabalhadores61, dos nichos étnicos, dos enclaves étnicos
e dos sistemas de treinamento que moldam essa forma de inserção laboral62 não são
suficientes para pensar as conotações dirigidas do fluxo, dentro da qual a articulação
de uma política organizada de distribuição desses migrantes conta com forte apoio
do Estado, de organismos internacionais e da sociedade civil63.
A concentração de migrantes internacionais no setor tampouco distingue-se
pelas redes de subcontratação e terceirização que incidem na informalidade do
trabalho, uma característica comum a muitos nichos de trabalho migrante no
mundo64. Nesse sentido, é importante ressaltar a emergência dos mercados globais
e a multiplicação dos canais de recrutamento do trabalho precarizado65. Esse
fenômeno reconfigura, inclusive, a dinâmica do trabalho formal, que passa cada vez
mais a se nutrir das formas flexíveis que alimenta o precariado migrante66.
Considerando as duas principais nacionalidades que compõe esse nicho Haiti
e Venezuela as redes de recrutamento iniciaram-se na fronteira amazônica e suas
origens remontam a um contexto emergencial de crise humanitária na origem e no
destino desses fluxos67. No caso da migração haitiana, esse processo data do começo
da década de 2010, quando um fenômeno inédito aconteceu na história do Brasil: a
chegada de solicitantes de refúgio pela fronteira terrestre68.
60 GUARNIZO, L. E.; SMITH, M. P. The locations of transnationalis. In: SMITH, M. P.; GUARNIZO, L. E.
(ed.). Transnationalism from below. New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, 1998.
(Comparative urban and community research, v.6)
61 SASSEN, S. Sociologia da Globalização. Porto Alegre: Artmed, 2010.
62 BAILEY, T.; WALDINGER, R. Primary, secondary and enclave labor markets: a training systems
approach. American Sociological Review, US, v. 56, n. 4, p.432-445, 1991.
63 BAENINGER, R. Migrações transnacionais na fronteira: novos espaços da migração Sul-Sul. In:
BAENINGER, Rosana; CANALES, Alejandro (coord.). Migrações fronteiriças. Campinas:
NEPO/UNICAMP, 2018. p. 463-472.
64 SASSEN, S. Sociologia da Globalização. Porto Alegre: Artmed, 2010.
65 BARRIENTOS, S. W. ‘Labour chains’: analysing the role of labour contractors in global production
networks. The Journal of Development Studies, London, v. 49, n. 8, p. 1058-1071, Aug. 2013.
66 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 148.
67 BAENINGER, R. Migração Transnacional: elementos teóricos para o debate. In: BAENINGER, R. et al.
(org.). Imigração haitiana no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p. 13-43.
68 SILVA, S. A. da. Fronteira Amazônica: passagem obrigatória para haitianos? Revista Interdisciplinar
da Mobilidade Humana (REMHU), Brasília, DF, v. 23, n. 44, p. 119-134, jan./jun. 2015. Disponível
em: https://remhu.csem.org.br/index.php/remhu/article/view/507/413. Acesso em: 09 nov. 2023.
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37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
De acordo com Handerson69, os primeiros haitianos adentraram no país em
fevereiro de 2010 e nem residiam no Haiti quando aqui chegaram: “eram procedentes
da República Dominicana, Equador, Cuba e Chile”70. Muito menos tinham o Brasil
como destino final desejado: o plano era chegar à Guiana Francesa. No entanto, as
dificuldades enfrentadas nesse percurso, a presença brasileira no Haiti e a
aceleração do crescimento econômico no Brasil logo incidiram na reorientação desse
fluxo71. Nas palavras de Costa72, o “sonho era a América do Norte e a Europa, mas as
portas estavam fechadas”. Tiveram, assim, que “olhar para o Sul” e o “Brasil foi
visto como uma alternativa” 73.
Uma vez em território nacional, essa população permanecia nas regiões de
fronteira até a obtenção do protocolo de solicitação de refúgio. Segundo Silva74, esse
período durava de poucos dias a várias semanas, a depender das capacidades de
atendimento do posto da Polícia Federal. Nesse intervalo, essa população era
provisoriamente abrigada em instituições da Igreja Católica ou em prédios
improvisados pelo poder público local. Uma vez documentados, os que possuíam
recursos seguiam com seus planos de viagem. Entre aqueles sem dinheiro, “a solução
era esperar algum empregador que viesse contratá-los e bancasse a viagem até a
cidade onde a empresa opera”75.
69 HANDERSON, J. Diaspora. As dinâmicas da mobilidade haitiana no Brasil, no Suriname e na
Guiana Francesa. 2015. Tese (Doutorado em Antropologia Social) Museu Nacional, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
70 HANDERSON, J. Diaspora. As dinâmicas da mobilidade haitiana no Brasil, no Suriname e na
Guiana Francesa. 2015. Tese (Doutorado em Antropologia Social) Museu Nacional, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. f. 33.
71 MAGALHÃES, L. F. A. A imigração haitiana em Santa Catarina: perfil sociodemográfico do fluxo,
contradições da inserção laboral e dependência de remessas no Haiti. 2017. Tese (Doutorado em
Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2017.
72 COSTA, G. A. Imigração haitiana em Manaus: presença da Pastoral do Migrante. Travessia: revista
do migrante, São Paulo, n. 68, p. 84, jan./jun. 2011. Disponível em:
https://travessia.emnuvens.com.br/travessia/article/download/501/460. Acesso em: 09 nov. 2023.
73 COSTA, G. A. Imigração haitiana em Manaus: presença da Pastoral do Migrante. Travessia: revista
do migrante, São Paulo, n. 68, p. 84, jan./jun. 2011. Disponível em:
https://travessia.emnuvens.com.br/travessia/article/download/501/460. Acesso em: 09 nov. 2023.
74 SILVA, S. A. da. Fronteira Amazônica: passagem obrigatória para haitianos? Revista Interdisciplinar
da Mobilidade Humana (REMHU), Brasília, DF, v. 23, n. 44, p. 119-134, jan./jun. 2015. Disponível
em: https://remhu.csem.org.br/index.php/remhu/article/view/507/413. Acesso em: 09 nov. 2023.
75 SILVA, S. A. da. Fronteira Amazônica: passagem obrigatória para haitianos? Revista Interdisciplinar
da Mobilidade Humana (REMHU), Brasília, DF, v. 23, n. 44, p. 125, jan./jun. 2015. Disponível em:
https://remhu.csem.org.br/index.php/remhu/article/view/507/413. Acesso em: 09 nov. 2023.
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37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
Sobretudo no Acre, a concentração dessa população causou uma grave crise
humanitária em Brasiléia, fazendo com que o governo estadual fornecesse, por conta
própria, “transporte gratuito aos haitianos e imigrantes de outras nacionalidades
para se deslocarem de Rio Branco para São Paulo”76. “A chegada inesperada de um
número expressivo de imigrantes na capital paulista provocou atritos” entre ambos
os governos, com a Prefeitura de São Paulo tendo de improvisar locais de
acolhimento dispersos na cidade77. O principal deles, nas dependências da Missão
Paz, “os colchões estendidos no salão paroquial [...] rapidamente foram
adormecendo vazios”78. “As imagens divulgadas ostensivamente pela mídia desses
migrantes chegando aos milhares e em condições de extrema precariedade”
atiçaram o “interesse de empresários das cinco regiões do País”, que os recrutavam
“ali mesmo, no pátio” da instituição79. Foi assim que as principais “casas de acolhida
[...] tornaram-se verdadeiras ‘praças’ de oferta de trabalho”80.
De acordo com Cutti81, “não foi possível quantificar os que solicitaram mão de
obra haitiana e o tanto de vagas ofertadas [...], mas a demanda por imigrantes foi
largamente desproporcional em relação à oferta”. Seja nas dependências da Missão
Paz, seja nos vários municípios de passagem dessa migração, pipocaram pelo
território brasileiro pontos de recrutamento de haitianos e haitianas, tendo como
elemento mediador desse encontro organizações de cunho religioso, abrigos
76 SILVA, S. A. da. Fronteira Amazônica: passagem obrigatória para haitianos? Revista Interdisciplinar
da Mobilidade Humana (REMHU), Brasília, DF, v. 23, n. 44, p. 126, jan./jun. 2015. Disponível em:
https://remhu.csem.org.br/index.php/remhu/article/view/507/413. Acesso em: 09 nov. 2023.
77 SILVA, S. A. da. Fronteira Amazônica: passagem obrigatória para haitianos? Revista Interdisciplinar
da Mobilidade Humana (REMHU), Brasília, DF, v. 23, n. 44, p. 126, jan./jun. 2015. Disponível em:
https://remhu.csem.org.br/index.php/remhu/article/view/507/413. Acesso em: 09 nov. 2023.
78 CUTTI, D. Apresentação. Travessia: revista do migrante, São Paulo, n. 73, p. 6, jul./dez. 2013.
Disponível em: https://travessia.emnuvens.com.br/travessia/article/view/125/116. Acesso em: 09
nov. 2023.
79 BICUDO, M. V. G. C. de C. Mobilização do “trabalho imigrante” em São Paulo: estudo sobre
intermediação e usos do trabalho. 2021. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. p. 53.
80 COSTA, G. A. Imigração haitiana em Manaus: presença da Pastoral do Migrante. Travessia: revista
do migrante, São Paulo, n. 68, p. 85, jan./jun. 2011. Disponível em:
https://travessia.emnuvens.com.br/travessia/article/download/501/460. Acesso em: 09 nov. 2023.
81 CUTTI, D. Apresentação. Travessia: revista do migrante, São Paulo, n. 73, p. 5, jul./dez. 2013.
Disponível em: https://travessia.emnuvens.com.br/travessia/article/view/125/116. Acesso em: 09
nov. 2023.
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improvisados ou mesmo as associações migrantes que foram surgindo com o passar
dos anos82.
De um fenômeno considerado inicialmente “episódico e de curto prazo”83, a
migração haitiana logo se transformou em um dos principais fluxos migratórios para
o Brasil. Consolidou o país na rota das migrações transnacionais de refúgio84,
transformou a dinâmica das migrações nas fronteiras terrestres85 e foi protagonista
no movimento que resultou na radical alteração da política migratória nacional, em
2017, com a aprovação da Nova Lei de Migração86.
Os aprendizados derivados da experiência com a migração haitiana foram
fundamentais na organização da Operação Acolhida, força-tarefa montada pelo
governo federal em Roraima para gerenciar o intenso fluxo de venezuelanos que, a
partir de 2016, passaram a chegar no estado. Criada pelo Decreto Federal nº
9.285/2018 (posteriormente complementado pelos decretos 9.286/2018 e
9.970/2019), essa grande força logística e humanitária agrega os esforços de nove
ministérios, da ONU e de centenas de entidades da sociedade civil. Suas ações
dividem-se em três eixos: ordenamento de fronteira, momento no qual se faz a
regularização migratória, atendimento médico e fiscalização sanitária; acolhimento;
e interiorização87.
82 MAGALHÃES, L. F. A. A imigração haitiana em Santa Catarina: perfil sociodemográfico do fluxo,
contradições da inserção laboral e dependência de remessas no Haiti. 2017. Tese (Doutorado em
Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2017.
83 FERNANDES, Duval; FARIA, Andressa V. de. O visto humanitário como resposta ao pedido de refúgio
dos haitianos. Revista Brasileira de Estudos de População, Belo Horizonte, v. 34, n. 1, p. 150, 2017.
Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rbepop/a/jQH7THPDpCKwtJFDcRd6Yxd/?format=pdf&lang=pt. Acesso em:
09 nov. 2023.
84 BAENINGER, R. Migração transnacional: elementos teóricos para o debate. In: BAENINGER, R. et al.
(org.). Imigração haitiana no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p. 13-43.
85 BAENINGER, R. Migrações transnacionais na fronteira: novos espaços da migração Sul-Sul. In:
BAENINGER, Rosana; CANALES, Alejandro (coord.). Migrações fronteiriças. Campinas:
NEPO/UNICAMP, 2018. p. 463-472.
86 ASSIS, Gláucia de O. Nova Lei de Migração no Brasil: avanços e desafios. In: BAENINGER, Rosana et
al. Migrações Sul-Sul. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2018. p. 609-623.
87 CAVALCANTI, L; OLIVEIRA, T.; SILVA, B. G. (org.). Imigração e refúgio no Brasil: retratos da década
de 2010. Brasília, DF: OBMigra, 2021. Disponível em:
https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Retratos_da_De
%CC%81cada.pdf. Acesso em: 09 nov. 2023.
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37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
Com um guichê instalado dentro da Operação Acolhida88, a JBS uma das
maiores indústrias alimentícias do mundo, proprietária de mais de 70 marcas, dentre
as quais estão a Seara, Swift, Friboi, Rezende, Delícia e Doriana passou a ser uma
das principais impulsionadoras do Programa Nacional de Interiorização, através da
modalidade ‘vaga sinalizada de emprego’. Na modalidade de interiorização por vias
institucionais (abrigo-abrigo), o apoio oferecido pela sociedade civil revela o
protagonismo das entidades religiosas na governança dessa migração, cuja grande
inovação foi credenciar a atuação de Igrejas evangélicas e neopentecostais89.
Ao analisar as migrações venezuelanas para o Brasil no século XXI por vias
terrestres, Baeninger90 revisita a perspectiva teórica das migrações dirigidas em
função das articulações entre Estado, organismos internacionais e sociedade civil que
esse conceito pressupõe91. Seja na migração venezuelana, seja na migração haitiana,
a centralidade exercida pelas instituições religiosas na acolhida humanitária, em
parceria com organizações internacionais, empresta novas características aos
processos de mobilização para o trabalho dessa migração92.
Para Moreira93, Souza e Ruseishvili94, os vínculos entre o Estado brasileiro,
organizações religiosas e internacionais, envolvendo a questão humanitária,
88 Informação obtida no "XXV Ciclo de Estudos Estratégicos: Operação Acolhida - perspectivas e
desafios", conduzido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares do Instituto Meira Mattos,
no âmbito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, em 5 de abril de 2022.
89 SOUZA, A. R. de; RUSEISHVILI, S. As organizações cristãs de abrangência nacional em face da
questão dos refugiados. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, São Carlos, v. 10, n. 2, p.
537-555, maio/ago. 2020. Disponível em:
https://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/862/pdf. Acesso
em: 09 nov. 2023.
90 BAENINGER, R. Governança das migrações: migrações dirigidas de venezuelanos e venezuelanas no
Brasil. In: BAENINGER, R. et al. Migrações Venezuelanas. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2018. p. 135-
138.
91 BASSANEZI, M. S. Imigrações internacionais no Brasil: um panorama histórico. In: PATARRA, N. L.
(coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1996.
p. 1-38.
92 BICUDO, M. V. G. C. de C. Mobilização do “trabalho imigrante” em São Paulo: estudo sobre
intermediação e usos do trabalho. 2021. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.
93 MOREIRA, J. B. Política em relação aos refugiados no Brasil (1947-2010). 2012. Tese (Doutorado
em Ciência Política) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2012.
94 SOUZA, A. R. de; RUSEISHVILI, S. As organizações cristãs de abrangência nacional em face da
questão dos refugiados. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, São Carlos, v. 10, n. 2, p.
537-555, maio/ago. 2020. Disponível em:
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DEMÉTRIO, Natália; BAENINGER, Rosana. Trabalho nos frigoríficos do Brasil: a constituição do precariado migrante e
o papel do recrutamento humanitário. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-
37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
migração e refúgio, remonta à década de 1960, quando a Cáritas e o Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) passaram a atuar na
acolhida aos perseguidos políticos pelas ditaduras dos países vizinhos. Ainda que não
houvesse real intenção do governo brasileiro em receber e proteger essa população,
as autoridades nacionais julgavam importante conter possíveis críticas da
comunidade internacional, caso o Brasil adotasse uma postura hostil à atuação da
ONU. Nesse impasse, as atividades do ACNUR foram toleradas desde que se
procedesse o reassentamento dessa população em outros países95.
Nos anos 1990, o reestabelecimento da democracia no país e os compromissos
assumidos internacionalmente intervieram na promulgação do Estatuto do
Refugiado, de 1997. Ainda que essa legislação seja considerada bastante
progressista, sua implementação carrega uma contradição fundamental: os avanços
na regulação migratória não acompanharam uma política para imigrantes
devidamente estruturada96. O afastamento do Estado na área social tem sido suprido
pelos arranjos entre a Igreja e as organizações internacionais, numa divisão de
tarefas desenhada ao longo dos últimos sessenta anos97.
Assim, o recrutamento humanitário para o trabalho nos frigoríficos brasileiros
agrega os esforços do Estado, cuja função é garantir a documentação; das Forças
Armadas, responsável por gerenciar o fluxo migratório e coordenar a sua
redistribuição em território nacional; de instituições religiosas e da ONU,
encarregadas pela acolhida humanitária e apoio financeiro, com recursos que não
https://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/862/pdf. Acesso
em: 09 nov. 2023.
95 MOREIRA, J. B. Política em relação aos refugiados no Brasil (1947-2010). 2012. Tese (Doutorado
em Ciência Política) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2012.
96 MOREIRA, J. B. Política em relação aos refugiados no Brasil (1947-2010). 2012. Tese (Doutorado
em Ciência Política) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2012.
97 SOUZA, A. R. de; RUSEISHVILI, S. As organizações cristãs de abrangência nacional em face da
questão dos refugiados. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, São Carlos, v. 10, n. 2, p.
537-555, maio/ago. 2020. Disponível em:
https://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/862/pdf. Acesso
em: 09 nov. 2023.
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raro expressam estratégias do Norte Global em formar países “tampões”, capazes
de conter essa população longe de suas fronteiras98.
A concentração de imigrantes nos frigoríficos revela, portanto, a formação de
um nicho de trabalho com forte apoio do Estado e das migrações dirigidas99, na qual
a combinação de solidariedades orgânicas e organizacionais100, de atores estatais e
parestatais101, colocam novas questões para o entendimento das condições de vida e
de trabalho dessa população.
3.2. A Pesquisa Imigração No Brasil: Inserção Laboral e Condições de Vida102
No propósito de melhor compreender a relação entre o recrutamento
humanitário e a formação do nicho de trabalho migrante nos frigoríficos do Brasil, o
trabalho também se ampara em metodologias qualitativas de pesquisa, com a
realização de 89 entrevistas semiestruturadas entre julho e outubro de 2022, em
formato virtual, com imigrantes trabalhadores nesse setor. Seguindo os caminhos
abertos por Fernandes e Baeninger103, a definição das “portas de entrada” e dos
“porta-vozes” da pesquisa contou com o apoio de migrantes mediadores, cuja
participação ampliou as conexões da investigação.
A partir dos contatos pessoais de lideranças migrantes específicas,
responsáveis pela condução de quase todas as entrevistas, a pesquisa conseguiu
alcançar participantes residentes em quatro Unidades da Federação (Mato Grosso do
Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Essa estratégia metodológica
driblou as desconfianças e demais dificuldades impostas por um trabalho de campo
98 AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 2, p.
197-215, nov. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2 Acesso em: 03
mar. 2021.
99 BAENINGER, R. Governança das migrações: migrações dirigidas de venezuelanos e venezuelanas no
Brasil. In: BAENINGER, R. et al. Migrações Venezuelanas. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2018. p. 135-
138
100 SANTOS, M. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional. 5. ed.
São Paulo: EdUSP, 2013.
101 AMAR, P. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e
o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2018.
102 Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) 49335121.1.0000.8142.
103 FERNANDES, D.; BAENINGER, R. (coord.). Impactos da pandemia de COVID-19 nas migrações
internacionais no Brasil: resultados de pesquisa. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2020. p. 13.
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online, fez uso criativo das tecnologias de comunicação disponíveis e valeu-se das
redes acionadas por migrantes mediadores para alavancar a investigação. Ao
incorporar a “dimensão da autonomia/agência desses sujeitos migrantes na
construção dos resultados da pesquisa”, Fernandes e Baeninger104 apresentam o
potencial da metodologia “sujeito-ator” nos estudos sobre migração internacional e
condições de vida, reproduzida nesse trabalho.
Os diálogos foram guiados por um roteiro de 37 perguntas abertas e fechadas,
organizadas em 9 módulos temáticos: (1) características gerais da pessoa; (2) família
e arranjos domiciliares; (3) escolaridade e treinamento profissional; (4) formas de
ingresso e trajetória migratória no Brasil; (5) trajetórias migratórias em outros
países; (6) o trabalho no frigorífico; (7) redes de apoio; (8) remessas e rendimentos;
(9) considerações adicionais e principais demandas.
A definição das perguntas expressa o olhar para os agentes mediadores da
inserção laboral105 e para as trajetórias migratórias106. Por um lado, as questões
relativas aos momentos definidores do encontro entre migrantes e frigoríficos revela
as particularidades do mercado por onde circula a força de trabalho necessária à
reprodução desse setor107, a presença de atores paraestatais108 na conformação do
recrutamento humanitário e dos canais da migração que, originalmente
104 FERNANDES, D.; BAENINGER, R. (coord.). Impactos da pandemia de COVID-19 nas migrações
internacionais no Brasil: resultados de pesquisa. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2020. p. 14.
105 BICUDO, M. V. G. C. de C. Mobilização do “trabalho imigrante” em São Paulo: estudo sobre
intermediação e usos do trabalho. 2021. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.
106 RIVERA SÁNCHEZ, L. Las trayectorias en los estudios de migración: una herramienta para el análisis
longitudinal cualitativo. In: ARIZA, M.; L. VELASCO (coord.). Métodos cualitativos y su aplicación
empírica: por los caminos de la investigación sobre migración internacional. México, DF: UNAN,
Instituto de Investigaciones, 2015. p. 455-494.
107 GUIMARÃES, N. A. Empresariando o trabalho: os agentes econômicos da intermediação de
empregos, esses ilustres desconhecidos. Dados: revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n.
2, p. 275-311, 2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/dados/a/PwLvNSRD33BSZF8X9mnfLBn/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 09
nov. 2023.
108 AMAR, P. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e
o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2018.
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produzidospor uma migração dirigida109, se dinamizam com a formação de redes
interpessoais responsáveis por alimentar a constituição desse nicho de trabalho110.
Por outro lado, a abordagem das trajetórias migratórias constitui uma
ferramenta capaz de sistematizar e ordenar a multiespacialidade dos deslocamentos
populacionais, cada vez mais rotativos e marcados por um constante ir e vir111. Ao
unir dois eixos vertebrais das Ciências Sociais o tempo e o espaço essa abordagem
tem por objetivo conectar eventos individuais a processos históricos mais amplos112.
O mapeamento dos caminhos trilhados por cada migrante, com identificação das
associações por ele estabelecidas nos variados lugares de estadia e/ou passagem,
ajuda rastrear as conexões sociais113 que vinculam essas pessoas aos frigoríficos.
Nesse sentido, as perguntas sobre todos os lugares onde os(as)
entrevistados(as) já residiram até alcançar seus locais de moradia e trabalho no
momento da pesquisa permitem que esses “atores arrumem, por assim dizer, sua
própria bagunça”, confiando-lhes a capacidade de restaurar uma ordem
potencialmente distinta das tentativas dos(as) pesquisadores(as) de recompor esse
fenômeno114. Esse exercício de juntar a dimensão da estrutura e da agência, do ator
e da rede, permite entender a migração não como um ponto crítico, marcado por
um evento único, mas como uma trama de fenômenos construída em diferentes
109 BAENINGER, R. Migrações transnacionais na fronteira: novos espaços da migração Sul-Sul. In:
BAENINGER, Rosana; CANALES, Alejandro (coord.). Migrações fronteiriças. Campinas:
NEPO/UNICAMP, 2018. p. 463-472.
110 TRUZZI, O. Redes em processos migratórios. Tempo Social, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 199-218, jun.
2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ts/a/K3dggCcfJdy4xWB9DjpRc7C/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 09 nov.
2023.
111 BAENINGER, R. Fases e faces da migração em São Paulo. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2012.
112 RIVERA SÁNCHEZ, L. Las trayectorias en los estudios de migración: una herramienta para el análisis
longitudinal cualitativo. In: ARIZA, M.; L. VELASCO (coord.). Métodos cualitativos y su aplicación
empírica: por los caminos de la investigación sobre migración internacional. México, DF: UNAN,
Instituto de Investigaciones, 2015. p. 455-494.
113 LATOUR, B. Reagregando o Social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EdUFBA, 2012.
114 LATOUR, B. Reagregando o Social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EdUFBA, 2012.
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escalas115. É assim que as trajetórias migratórias aparecem como uma “ginástica”
entre o micro e macro, revelando as associações que o local faz com o global116.
No total, imigrantes residentes em sete municípios do Brasil participaram da
pesquisa: Campo Grande, Sidrolândia e Itaquiraí, no estado do Mato Grosso do Sul;
Curitiba, no Paraná; Capinzal e Chapecó, em Santa Catarina; e Caxias do Sul, no Rio
Grande do Sul. A grande maioria tinha como nacionalidade a Venezuela, mas
nacionais do Chile, Haiti e Peru também colaboraram com a investigação (Figura 1).
Figura 1. Participantes da Pesquisa Imigração No Brasil: Inserção Laboral e
Condições de Vida Frigoríficos, segundo nacionalidade dos participantes e
município de residência. Brasil, julho/outubro de 2022.
Fonte: Pesquisa Imigração no Brasil: inserção laboral e condições de vida. CAAE
49335121.1.0000.8142.
115 RIVERA SÁNCHEZ, L. Las trayectorias en los estudios de migración: una herramienta para el análisis
longitudinal cualitativo. In: ARIZA, M.; L. VELASCO (coord.). Métodos cualitativos y su aplicación
empírica: por los caminos de la investigación sobre migración internacional. México, DF: UNAN,
Instituto de Investigaciones, 2015. p. 455-494.
116 LATOUR, B. Reagregando o Social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EdUFBA, 2012.
p. 249.
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Todos os entrevistados ingressaram no Brasil por fronteiras terrestres. Dois dos
três nacionais do Haiti haviam residido em outros países da América do Sul (Chile ou
Peru). O município de São Paulo aparece como área de rotatividade migratória para
esses entrevistados, fenômeno intrinsecamente associado à conformação de novos
espaços da migração internacional no país117. As informações sistematizadas no
Quadro 1 revelam, ainda, a presença de peruanos e chilenos recrutados por redes de
amizade, inclusive com venezuelanos, o que reforça a composição de um nicho
migrante para além das dimensões étnicas118.
Quadro 1. Trajetórias migratórias dos participantes da A Pesquisa Imigração No
Brasil: Inserção Laboral e Condições de Vida Frigoríficos com nacionalidade
haitiana, chilena e peruana. Brasil, julho/outubro de 2022.
Trajetória dos entrevistados haitianos
1. Do Haiti (eletricista) direto para o Brasil, em 2015 (trajeto República Dominicana-
Equador-Peru, com ingresso pelo Acre), 1 mês em São Paulo desempregado e depois
Itaquiraí/MS, onde logo começou a trabalhar no frigorífico
Tipo de recrutamento: redes de amizade
2. Do Haiti para o Chile, em 2018, onde morou 1 ano (construção civil); depois para o
Peru, onde morou 4 meses (construção civil); depois para o Brasil (ingresso pelo Acre) e
por onde foi direto para Sidrolândia/MS, em 2020, com contratação imediata pelo
frigorífico
Tipo de recrutamento: redes de amizade
3. Do Haiti para o Chile, em 2019, onde trabalhou na construção; em 2020 veio ao Brasil
(ingresso por Corumbá/MS), ficou um tempo em São Paulo/SP (bicos na construção civil)
e depois foi para Sidrolândia/MS, onde logo começou a trabalhar no frigorífico
Tipo de recrutamento: redes de amizade
Trajetória do entrevistado peruano
1. Chegou ao Brasil em 2021, pelo Acre, onde passou 1 semana até conseguir
documentação. Foi de ônibus até São Paulo, onde morou 4 meses. Com dificuldade em
encontrar trabalho na capital paulista, decidiu mudar-se para Sidrolândia/MS por
influência de amigos, já trabalhadores do frigorífico. Nunca havia morado em outro país.
No Peru seu último emprego foi como moto taxista.
Tipo de recrutamento: redes de amizade.
117 BAENINGER, R. Fases e faces da migração em São Paulo. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2012.
118 WALDINGER, R. Networks and niches: the continuing significance of ethnic connections. In: LOURY,
G.; MODOOD, T.; TELES, S. M. (ed.). Ethnicity, social mobility, and public policy: comparing the
USA and UK. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 342-362.
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37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
Trajetória do entrevistado chileno
1. Chegou ao Brasil em 2020. Entrou pela fronteira do Acre, por onde foi direto para
Sidrolândia/MS. Antes de vir ao Brasil, morou 1 ano e 4 meses no Peru, onde trabalhou
como ajudante de mecânico e na parte de serviços gerais numa indústria de alimentos.
Foi nesse trabalho que fez amizades com venezuelanos e, por influência desses amigos,
resolveu 'testar a sorte no Brasil'.
Tipo de recrutamento: redes de amizade.
Fonte: Pesquisa Imigração no Brasil: inserção laboral e condições de vida. CAAE
49335121.1.0000.8142.
Segundo o interlocutor de Itaquiraí/MS, os primeiros haitianos que começaram
a trabalhar no frigorífico do município foram contratados em Manaus, quando um
empresário local enviou aliciadores para a fronteira Norte. Se nessa “etapa germinal
do fluxo migratório”, as redes sociais eram “mais produto que causa dos fluxos”119,
no momento da realização da pesquisa, seu funcionamento já dispensava a atuação
desses agentes intermediários.
No tocante aos 84 entrevistados(as) da Venezuela, todos entraram no Brasil
por Pacaraima (RR). Setenta e cinco nunca havia morado em outro país, enquanto 8
já tinham residido na Colômbia; e 1 com passagens na Colômbia e também no Peru.
Cinquenta e um se deslocaram com recursos próprios e 33 tiveram respaldo da
Operação Acolhida para compra de passagens. Vinte e oito encontram trabalho nos
frigoríficos por intermediação exclusiva dessa força-tarefa. Quase metade dos 84
venezuelanos entrevistados começaram a trabalhar no frigorífico com menos de um
mês de permanência no Brasil e 61 declararam ter entrado no país entre 2020 e 2022.
Dentre esses entrevistados, destaca-se a trajetória de um homem de 27 anos,
solteiro, sem filhos, natural de Guarenas, distante 40 km de Caracas. Em sua terra
natal trabalhou como encanador, vendedor ambulante e no garimpo. Não tinha
planos de morar no Brasil, mas as dificuldades em ganhar a vida na Venezuela o
fizeram mudar de ideia, em 2019. Antes da mudança definitiva, cruzava ambos os
119 MAGALHÃES, L. F. A. A imigração haitiana em Santa Catarina: perfil sociodemográfico do fluxo,
contradições da inserção laboral e dependência de remessas no Haiti. 2017. Tese (Doutorado em
Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2017. p. 187.
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países cotidianamente revendendo mercadorias. Contudo, o fechamento das
fronteiras por conta da pandemia o obrigou a permanecer no Brasil. Por quase um
ano morou na rodoviária de Boa Vista, sobrevivendo da revenda de picolés pela
cidade. Inicialmente, relutou em participar da Operação Acolhida por conta de seu
trabalho como ambulante e de seus planos de voltar à Venezuela. Tudo mudou com
os impactos da crise sanitária no comércio de rua. Já sem ter o que comer, decidiu
tentar a sorte em outro lugar, através do Programa de Interiorização. Como não
conhecia ninguém no Brasil, apenas podia ser interiorizado por meio de vaga
sinalizada de trabalho. Demorou 10 meses até ser chamado para trabalhar no
frigorífico de Sidrolândia, em dezembro de 2021. Chegou nesse município com um
grupo de 40 pessoas: todas para trabalhar no mesmo lugar e agenciadas da mesma
forma.
Em um primeiro momento, esse interlocutor não relatou suas insatisfações
com a empresa. Reconheceu o ritmo acentuado das linhas de produção, mas
agradeceu a oportunidade, afirmando ter um “corpo acostumado com o trabalho
pesado”. Apenas fez reclamações explícitas sobre o não recebimento das horas
extras quando entrevistado pela segunda vez, por uma compatriota. A relação de
confiança derivada de sua origem comum o deixou à vontade para denunciar os
abusos cometidos pelo empregador e sua vontade de entrar com uma demanda
judicial contra o frigorífico. Revela-se, assim, os ganhos das perspectiva sujeito-ator
para o estudo das migrações internacionais120.
A trajetória migratória desse participante assemelha-se a de outras 38 pessoas
que saíram da Venezuela e vieram diretamente ao Brasil, passando por Pacaraima e
Boa Vista. As informações sistematizadas do Quadro 2 apontam para trajetórias que
conectam o estado de Roraima diretamente aos frigoríficos, bem como outros
percursos com etapas intermediárias em capitais como Manaus, São Paulo, Curitiba
e Campo Grande. Um entrevistado apresentou uma trajetória com passagens em 5
localidades diferentes entre sua saída da Venezuela e o encontro com o frigorífico.
120 FERNANDES, D.; BAENINGER, R. (coord.). Impactos da pandemia de COVID-19 nas migrações
internacionais no Brasil: resultados de pesquisa. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2020.
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Corrobora-se, portanto, a intensa migração interna das migrações internacionais e
os novos rumos desses deslocamentos no Brasil121.
Quadro 2. Trajetórias migratórias dos participantes da A Pesquisa Imigração No
Brasil: Inserção Laboral e Condições de Vida Frigoríficos com nacionalidade
venezuelana. Brasil, julho/outubro de 2022.
Trajetória migratória de nacionais da Venezuela residentes em Sidrolândia (MS)
42
Venezuela - Pacaraima (RR) - Dourados (MS) - Sidrolândia (MS)
1
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Sidrolândia (MS)
38
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Manaus (AM) - São Paulo (SP) - Sidrolândia (MS)
1
Venezuela - Colômbia - Equador - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Sidrolândia (MS)
1
Venezuela - Colômbia - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Sidrolândia (MS)
1
Trajetória migratória de nacionais da Venezuela residentes em Campo Grande (MS)
1
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Campo Grande (MS)
1
Trajetória migratória de nacionais da Venezuela residentes em Chapecó (SC)
8
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - São Paulo (SP) - Curitiba (PR) - Chapecó (SC)
1
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Curitiba (PR) - Chapecó (SC)
1
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Chapecó (SC)
3
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Manaus (AM) - Chapecó (SC)
1
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - São Paulo (SP) - Chapecó (SC)
1
Venezuela - Pacaraima (RR) - Chapecó (SC)
1
Trajetória migratória de nacionais da Venezuela residentes em Capinzal (SC)
23
Venezuela - Pacaraima (RR) - Capinzal (SC)
6
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Capinzal (SC)
11
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Manaus (AM) - Capinzal (SC)
1
Venezuela - Colômbia - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Curitiba (PR) - Capinzal (SC)
1
Venezuela - Colômbia - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Capinzal (SC)
2
Venezuela - Colômbia - Pacaraima (RR) - Capinzal (SC)
1
Venezuela - Pacaraima (RR) - Porto Velho (RO) - Campo Grande (MS) - Capinzal (SC)
1
Trajetória migratória de nacionais da Venezuela residentes em Curitiba (PR)
1
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Curitiba (PR)
1
Trajetória migratória de nacionais da Venezuela residentes em Caxias do Sul (RS)
8
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Caxias do Sul (RS)
2
Venezuela - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - São Paulo (SP) - Caxias do Sul (RS)
1
Venezuela - Colômbia - Pacaraima (RR) - Boa Vista (RR) - Manaus (AM) - São Paulo (SP) - Caxias do Sul
(RS)
1
Venezuela - Pacaraima (RR) - Caxias do Sul (RS)
3
Venezuela - Pacaraima (RR) - Manaus (AM) - Caxias do Sul (RS)
1
Fonte: Pesquisa Imigração no Brasil: inserção laboral e condições de vida. CAAE
49335121.1.0000.8142.
No tocante às condições de trabalho, a pesquisa reforçou os elevados índices
de formalização desse setor: todos os 89 entrevistados tinham carteira de trabalho
assinada. No entanto, apenas 14 declararam ter recebido treinamento prévio.
121 BAENINGER, R. Fases e faces da migração em São Paulo. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2012.
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Aprendi vendo os demais empregados”, nos confidenciou uma informante que nunca
havia trabalhado como magarefe antes. Seis pessoas disseram trabalhar 10 horas por
dia e receber por apenas 8. Reclamações sobre descontos indevidos, excesso de
carga, ausência de equipamentos de proteção individual (EPI) e adoecimentos foram
recorrentes (Quadro 3).
Quadro 3. Algumas das reclamações relatadas pelos participantes da Pesquisa
Imigração No Brasil: Inserção Laboral e Condições de Vida Frigoríficos. Brasil,
julho/outubro de 2022.
“Demasiado escravizador, quando entrei trabalhava na refilação de peito, me saiu um osso da
munheca e eles somente falaram ‘tome um comprimido para dor’
“É muito pesado, a maioria das pessoas trabalham com faca, muitas vezes adoecem de asma,
precisam pegar sacos de mais de 20 Kg”
“Horrível, uma exploração, fazem muita pressão sem se importar com a condição humana dos
trabalhadores
“Muito ruim. Eu comecei na função de serviço geral (sem carteira no início), depois me enviaram
para o abate, cortar as tripas com facas e sem treinamento nenhum, eu tinha que olhar como os
demais faziam. Agora eles assinaram a carteira nesse cargo. Porém eles mudam muito a gente de
função
“No começo, a empresa entregava avental, luvas, tocas, mangas para o antebraço. Depois eles
não entregaram mais nada e todos tinham que andar sujo de sangue, no rosto, na roupa”
“Não estou conforme, eles não valorizam o trabalho que eu estou fazendo, porque eu tenho que
agir na mesma velocidade da máquina. Eles exigem 3 coxas em 45 segundos. Eu estou fazendo de
7 a 8 em um minuto, mas não estão pagando o bono de produção”
“O descanso eles falam que são de 25 minutos, mas só dão 15. Não tem pontualidade na hora da
janta. Trabalhamos horas extras e não somos pagos”
Fonte: Pesquisa Imigração no Brasil: inserção laboral e condições de vida. CAAE
49335121.1.0000.8142.
Os principais danos à saúde reportados foram dores nas pernas, nas costas, no
quadril, nas mãos e nos braços, além de doenças respiratórias causadas pelo trabalho
nas câmaras frias (Quadro 4). Má qualidade do atendimento médico prestado pela
empresa e dificuldades de agendamento no INSS para avaliação de benefício por
acidente de trabalho apareceram entre as principais necessidades dos(as)
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DEMÉTRIO, Natália; BAENINGER, Rosana. Trabalho nos frigoríficos do Brasil: a constituição do precariado migrante e
o papel do recrutamento humanitário. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-
37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
entrevistados(as). No total, 17 participantes manifestaram interesse em receber
orientações jurídicas para demandas contra a empresa contratante e/ou INSS.
Quadro 4. Algumas das reclamações sobre danos à saúde relatadas pelos
participantes da Pesquisa Imigração No Brasil: Inserção Laboral e Condições de
Vida Frigoríficos. Brasil, julho/outubro de 2022.
“Machuquei o ombro e fiquei 4 anos sem conseguir trabalhar”
“Tenho lesão no braço esquerdo completo. Já fui atendida pelos médicos, pega atestado,
porém cada dia fica pior a dor no braço, os tratamentos não estão dando resultado”
“Tenho lesão na espalda. Fui várias vezes na enfermagem, não fui atendido e eles não
aceitam atestados de outros médicos
“Passo as noites com câimbra nas mãos e dor”
“Tive um acidente carregando uma caixa de papada de porco de mais de 30Kg. Chorei
muito pela dor. Eles só me deram um comprimido e me mudaram de função. Depois de um
mês voltei na triparia e no abate. Minhas mãos dormem e eu tenho câimbras. Às vezes
sinto que perdi a força nelas”
“Muita gente já quer fazer os 14 peitos por minuto no primeiro dia de trabalho. O corpo
não está acostumado. Daí vem a lesão”
Fonte: Pesquisa Imigração no Brasil: inserção laboral e condições de vida. CAAE
49335121.1.0000.8142.
As narrativas sobre cumprimento de metas e ganhos por produção reforçam a
construção de uma “mente precarizada”, estimulada por “gratificações
instantâneas”, tal como discutido por Standing122. Essa forma de pensar à ‘curto
prazo’ reflete, nos termos do autor, as “pressões e experiências que conduzem a
uma existência precarizada, de viver no presente, sem uma identidade segura ou um
senso de desenvolvimento por meio do trabalho e do estilo de vida”123.
Ao alterar a subjetividade dos indivíduos, os ideários neoliberais ganham força
para atacar direitos trabalhistas nos quatro cantos do planeta124. Particularmente no
setor de frigoríficos, os últimos cinco anos marcam a proliferação de inúmeras
122 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 39-40.
123 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013. p. 37.
124 STANDING, G. O precariado: a nova classe perigosa. São Paulo: Autêntica, 2013.
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DEMÉTRIO, Natália; BAENINGER, Rosana. Trabalho nos frigoríficos do Brasil: a constituição do precariado migrante e
o papel do recrutamento humanitário. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-
37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
legislações que atentam contra as já precárias estruturas estatais de fiscalização e
controle das condições de trabalho. A principal delas, a Norma Regulamentadora 36,
publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em abril de 2013, disciplina os
rodízios ocupacionais, o uso de EPIs e a concessão de pausas térmicas e ergonômicas.
Considerada um avanço para a segurança e saúde ocupacional dos trabalhadores no
setor, essa legislação vem sendo revista desde 2019, “com o objetivo de simplificar”,
“desburocratizar” e “flexibilizar” suas recomendações125. Para as empresas, as
pausas previstas pela NR-36 “não devem ser padronizadas, mas adequadas e adotadas
quando definidas pelos estudos ergonômicos feitos pelas próprias empregadoras”. As
disputas judiciais em torno de suas alterações, bem como a aprovação da Reforma
Trabalhista de 2017, corroboram a adequação da legislação nacional à globalização
precarizante126, com os frigoríficos na vanguarda desse movimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de formação do precariado migrante assume características
específicas nos frigoríficos brasileiros. Em primeiro lugar, o crescente apelo à
migração internacional, mesmo diante de elevados níveis de desemprego no país,
deve ser interpretado como parte das estratégias de contenção do conflito entre
capital e trabalho127. A busca ativa pelo trabalho migrante128, ainda que
impulsionada pelo envelhecimento acelerado da população brasileira e pela
reestruturação da produção em nível global, tem raízes históricas que remontam à
estruturação do próprio mercado de trabalho nacional, alicerçado desde o princípio
125 JORGE, A. O.; SANTOS, A. G. dos; ROCUMBACK, D. M. Controvérsias em torno da NR-36: um olhar
sobre o setor frigorífico. Conjur: Consultor Jurídico, São Paulo, 11 fev. 2022. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2022-fev-11/opiniao-controversias-torno-nr-36-setor-frigorifico Acesso
em: 30 mar. 2022.
126 SANTOS, A. L. dos; GIMENEZ, D. M. Desenvolvimento, competitividade e a reforma trabalhista. In:
KREIN, J. D.; GIMENEZ, D. M.; SANTOS, A. L. dos. (org.). Dimensões críticas da reforma trabalhista
no Brasil. Campinas: Curt Nimuendajú, 2018. p. 29-67.
127 PAIVA, O. da C. Caminhos cruzados: migração e construção do Brasil Moderno (1930-1950). Bauru:
EDUSC, 2004.
128 BICUDO, M. V. G. C. de C. Mobilização do “trabalho imigrante” em São Paulo: estudo sobre
intermediação e usos do trabalho. 2021. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.
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DEMÉTRIO, Natália; BAENINGER, Rosana. Trabalho nos frigoríficos do Brasil: a constituição do precariado migrante e
o papel do recrutamento humanitário. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-
37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
por uma oferta abundante de trabalho129. Nas palavras de Guimarães130, a
precarização do trabalho carrega, no caso do Brasil, “características estruturais”
associadas a “um padrão de flexibilidade numérica que tem estado na base dos
principais movimentos de nossa economia”.
Também é preciso reconhecer as dinâmicas características das migrações
transnacionais de refúgio Sul-Sul131 e a produção de redes de recrutamento que,
iniciadas na fronteira amazônica132, distinguem-se pela presença de atores
paraestatais133, compartilham aspectos de uma migração dirigida134 e ocorrem
“dentro de um quadro de ‘ação social’ com forte apelo humanitário135. Ademais, a
posição desse grupo no precariado migrante é bastante particular: por um lado, essa
população entra no mercado de trabalho pela “porta da frente”, isto é, com vínculo
empregatício formal e garantias mínimas de direitos trabalhistas136; por outro, não
alcança “um trabalho e uma vida de estabilidade”137. Dispõe de um rendimento
seguro, mas também de uma “consciência de classe traduzida num fortíssimo
sentimento de privação relativa e de frustação quanto ao seu estatuto” 138.
129 OLIVEIRA, F. de. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.
130 GUIMARÃES, N. A. Empresariando o trabalho: os agentes econômicos da intermediação de
empregos, esses ilustres desconhecidos. Dados: revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n.
2, p. 279, 2008. Disponível em:
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nov. 2023.
131 BAENINGER, R. Migração Transnacional: elementos teóricos para o debate. In: BAENINGER, R. et
al. (org.). Imigração haitiana no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p. 13-43.
132 SILVA, S. A. da. Fronteira Amazônica: passagem obrigatória para haitianos? Revista Interdisciplinar
da Mobilidade Humana (REMHU), Brasília, DF, v. 23, n. 44, p. 119-134, jan./jun. 2015. Disponível
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133 AMAR, P. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e
o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2018.
134 BAENINGER, R. Governança das migrações: migrações dirigidas de venezuelanos e venezuelanas no
Brasil. In: BAENINGER, R. et al. Migrações Venezuelanas. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2018.
135 BICUDO, M. V. G. C. de C. Mobilização do “trabalho imigrante” em São Paulo: estudo sobre
intermediação e usos do trabalho. 2021. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. p. 65.
136 CUTTI, D. Apresentação. Travessia: revista do migrante, São Paulo, n. 73, p. 6, jul./dez. 2013.
Disponível em: https://travessia.emnuvens.com.br/travessia/article/view/125/116. Acesso em: 09
nov. 2023.
137 STANDING; G. O precariado e a luta de classes. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n.
103, p. 13, maio 2014. Disponível em: https://journals.openedition.org/rccs/5521. Acesso em: 09
nov. 2023.
138 STANDING; G. O precariado e a luta de classes. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n.
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nov. 2023.
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DEMÉTRIO, Natália; BAENINGER, Rosana. Trabalho nos frigoríficos do Brasil: a constituição do precariado migrante e
o papel do recrutamento humanitário. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-
37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
Na interpretação de Agier139, os mecanismos de aprisionamento da consciência
acionados pela questão humanitária tonificam a simétrica de biopoder responsável
por despolitizar esses sujeitos, criando sofisticadas técnicas de cuidado, controle e
tutela. Essa forma particular de “empresariar o trabalho” não apenas rompe com a
“díade formada pelo empresário que recruta e o trabalhador que se oferece no
mercado”, forçando a busca por um elemento intermediador140, como também evoca
as representações de uma “cena humanitária”141 levada à cabo por atores
paraestatais142. É a intermediação oferecida por esses agentes que produz o encontro
entre frigoríficos e migrantes internacionais, vinculando o humanitarismo à
precarização do trabalho143.
Embora as redes migratórias144 tenham um efeito multiplicador sobre esse
fluxo, esse fenômeno extrapola suas capacidades explicativas. Para Arango145, se é
verdade que o conjunto das relações interpessoais de parentesco e amizade
diminuem os custos e as incertezas que envolvem uma migração internacional,
também não se pode exagerar a importância desse fenômeno. Para esse autor,
embora as redes tenham um efeito multiplicador sobre a migração, é incapaz de
explicar por que um fluxo começa ou chega ao fim.
139 AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 2, p.
197-215, nov. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2 Acesso em: 03
mar. 2021.
140 GUIMARÃES, N. A. Empresariando o trabalho: os agentes econômicos da intermediação de
empregos, esses ilustres desconhecidos. Dados: revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n.
2, p. 277, 2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/dados/a/PwLvNSRD33BSZF8X9mnfLBn/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 09
nov. 2023.
141 AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 2, p.
197-215, nov. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2 Acesso em: 03
mar. 2021.
142 AMAR, P. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e
o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2018.
143 CHAVES, J. F. de C. Humanitarismo, migração e trabalho precarizado no Brasil: em busca dos nexos
possíveis. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 46., 2022, Campinas. Anais [...]. Campinas: Unicamp,
2022.
144 TRUZZI, O. Redes em processos migratórios. Tempo Social, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 199-218, jun.
2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ts/a/K3dggCcfJdy4xWB9DjpRc7C/?format=pdf&lang=pt
145 ARANGO, J. Explaining migration: a critical view. International Social Science Journal, v. 52, n.
165, p. 283-296, Sept. 2000.
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DEMÉTRIO, Natália; BAENINGER, Rosana. Trabalho nos frigoríficos do Brasil: a constituição do precariado migrante e
o papel do recrutamento humanitário. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-
37, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.159.
Finalmente, é importante mencionar que o recrutamento humanitário não
aciona as seletividades étnicas e profissionais que orientaram a política migratória
brasileira ao longo dos séculos XIX e XX, trazendo ao país uma população não branca,
negra e indígena, provenientes de outros países do Sul Global, muitos dos quais com
baixa escolaridade146. Mais complexas por suas características internas que por sua
magnitude, essa migração traz as marcas do estranhamento, da não assimilação,
perfazendo uma crise migratória na origem, no destino e em seus vários pontos de
passagem e circulação147.
Grosso modo, o trabalho avança no entendimento de uma nova modalidade de
agenciamento do trabalho migrante, dentro da qual o recrutamento humanitário não
apenas dialoga com as particularidades das migrações Sul-Sul, mas também com os
processos históricos de formação do mercado de trabalho nacional. Embora reflita
transformações advindas da reestruturação produtiva em escala global, a produção
desse nicho de trabalho migrante exige perspectivas de análise específicas ao
contexto brasileiro.
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Natália Demétrio
Pós-doutoranda no Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (Nepo/Unicamp).
Pesquisadora do Observatório das Migrações em São Paulo (Nepo/Unicamp/MPT). Graduada em
Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade Estadual de Campinas, Mestra
em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas e Doutora em Demografia pela
Universidade Estadual de Campinas. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9043947211775373. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-0954-6993. E-mail: natalia_belmontedemetrio@yahoo.com.br.
Rosana Baeninger
Coordenadora do Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/UNICAMP). Professora Livre-
Docente Aposentada, colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Demografia (IFCH) e no
Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” da Universidade Estadual de Campinas
(NEPO/UNICAMP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/0425133153453333. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-3817-2807. E-mail: baeninge@unicamp.br.