Recebido em: 06/03/2023
Aprovado em: 10/07/2023
Transconstitucionalismo e o combate ao trabalho escravo no
Brasil
Transconstitutionalism and the fight
against contemporary slave labor in
Brazil
Transconstitucionalismo y la lucha
contra el trabajo esclavo
contemporáneo en Brasil
Laís Ribeiro Bezerra
Universidade Federal do Rio Grande Do Norte (UFRN)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2897863105911587
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2868-8938
Thiago Oliveira Moreira
Universidade Federal do Rio Grande Do Norte (UFRN)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8030681636075210
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6010-976X
Yara Maria Pereira Gurgel
Universidade Federal do Rio Grande Do Norte (UFRN)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8686260157736966
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4012-9995
RESUMO
A presente obra se proe a examinar se é posvel a construção e
legitimação de um complexo heterárquico de normas, internacionais e
nacionais, pautado na teoria do transconstitucionalismo e objetivando o
enfrentamento no plano normativo do trabalho escravo no Brasil. Para tanto,
o estudo examinará o atual panorama de enfrentamento do trabalho escravo
em âmbito nacional, posteriormente abordará as principais normatizações
pertinentes à temática, nos sistemas global, interamericano e brasileiro e,
por fim, cuidará de analisar a teoria do transconstitucionalismo, sob a
perspectiva de edificação de um complexo normativo efetivo e heterárquico
de combate ao trabalho escravo contemporâneo. O estudo utilizará o
método de abordagem dedutivo, com modalidade de pesquisa qualitativa
bibliográfica e documental. A problemática proposta aborda temática de
relevância universal, consubstanciada na tutela de direitos inerentes à
humanidade forma global e no enfrentamento de celeuma social comum a
vasto quantitativo de nações, além de fomentar o diálogo entre ordens
jurídicas pautado da perspectiva da heterarquia jurídica.
PALAVRAS-CHAVE: direitos humanos; trabalho escravo;
transconstitucionalismo.
ABSTRACT
This work proposes to examine whether it is possible to build and legitimize
a heterarchical complex of international and national norms, based on the
theory of transconstitutionalism and aiming at confronting slave labor in
Brazil at the normative level. To this end, the study will examine the current
scenario of confronting slave labor in Brazil. Later it will address the main
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BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
norms relevant to the subject in the global, inter-American and Brazilian
systems and, finally, it will analyze the theory of transconstitutionalism,
from the perspective of building an effective and heterarchical normative
complex to combat contemporary slave labor. The study will use the
deductive method of approach, with qualitative bibliographical and
documental research. The proposed issue addresses a theme of universal
relevance, embodied in the protection of rights inherent to humanity
globally and in facing the social uproar common to a vast number of nations,
in addition to fostering dialogue between legal orders based on the
perspective of legal heterarchy.
KEYWORDS: human rights; modern slavery; transconstitutionalism.
RESUMEN
Este trabajo se propone examinar si es posible construir y legitimar un
complejo heterárquico de normas internacionales y nacionales, basado en la
teoría del transconstitucionalismo y con el objetivo de confrontar el trabajo
esclavo en Brasil a nivel normativo. Para ello, el estudio examinará el
escenario actual de enfrentamiento del trabajo esclavo en Brasil, luego
abordará las principales normas relevantes al tema en los sistemas global,
interamericano y brasileño y, finalmente, analizará la teoría del
transconstitucionalismo, desde la perspectiva de construir un complejo
normativo efectivo y heterárquico para combatir el trabajo esclavo
contemporáneo. El estudio utilizará el método de enfoque deductivo, con
investigación cualitativa bibliográfica y documental. El problema propuesto
aborda un tema de relevancia universal, encarnado en la protección de los
derechos inherentes a la humanidad a nivel global y en el enfrentamiento al
estallido social común a un vasto número de naciones, además de propiciar
el diálogo entre ordenamientos jurídicos a partir de la perspectiva de la
heterarquía jurídica.
PALABRAS CLAVE: derechos humanos; trabajo esclavo;
transconstitucionalismo.
INTRODUÇÃO
A globalização de fatores sociais, econômicos e culturais como ferramenta de
desenvolvimento fez surgir a necessidade de mundialização do Direito, com objetivo
de conferir tratamento jurídico a essa nova conjuntura de mundo e vida, marcada
pela comunicação e coexistência de sistemas jurídico-normativos de diferentes níveis
de incidência.
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O trabalho surge com destaque nessa nova realidade, enfatizando-se tanto nas
novas formas de labor decorrentes da internacionalização do comércio e do mercado
financeiro, como em sua característica natural de garantidor de subsistência e
dignidade a toda e qualquer pessoa.
Não obstante, os avanços observados no cenário laborativo em virtude do novo
contexto global não extinguiram celeumas sociais antigas e recalcitrantes, sendo a
escravidão contemporânea uma das chagas de maior preocupação nessa conjuntura.
Diante disso, o objetivo do presente trabalho é analisar a possibilidade de
enfrentamento do trabalho escravo no Brasil por meio da construção e legitimação
de um complexo normativo heterárquico pautado na teoria do
transconstitucionalismo.
Para tanto, será examinado inicialmente o atual panorama de enfrentamento
do trabalho escravo em âmbito brasileiro, com a análise dos principais dados
estatísticos referentes às últimas duas décadas. Posteriormente o escrito abordará
as principais normatizações sobre o tema nos sistemas global, interamericano e
nacional. Em um terceiro momento, a pesquisa analisará a teoria do
transconstitucionalismo, sob a perspectiva de sua utilização na edificação de um
complexo normativo heterárquico de combate ao trabalho escravo contemporâneo.
O estudo utilizará o método de abordagem dedutivo, com modalidade de pesquisa
qualitativa bibliográfica e documental, e, no que concerne aos objetivos propostos,
a pesquisa científica será descritiva e exploratória.
O tema proposto se justifica por sua relevância jurídica e social, uma vez que
aborda temática de preocupação universal, consubstanciada na tutela de direitos
humanos do trabalhador. Além disso, viabiliza o estudo acerca da possibilidade de
aplicação de normatizações, internacionais e nacionais, com base no diálogo
heterárquico entre ordens jurídicas, com enfoque específico na teoria do
transconstitucionalismo.
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1. O trabalho escravo considerações gerais e seu retrato nos últimos 20 anos do
brasil
Advindo de um processo de colonização expropriatório em diversos aspectos,
e despontando como o último país a abolir a escravidão, o Brasil guarda, até os dias
atuais, contundentes resquícios de exploração laborativa demasiada em seu sistema
produtivo- econômico, que serão objeto do presente capítulo.
1.1. Aspectos gerais sobre o trabalho escravo
Mesmo com a transição formal do labor escravo para o livre, ocorrida
precipuamente na Revolução Industrial Inglesa (Século XVIII), o trabalho forçado
manteve-se, e ainda se mantém, presente em muitos contextos laborativos
vivenciados por uma expressiva parcela da população mundial, por meio de práticas
que se modificaram ao longo do tempo nas formas de exploração e
instrumentalização da mão de obra humana.
A própria conceituação do labor em condições de escravidão precisou ser
aprimorada de modo a contemplar aspectos que ultrapassam a perspectiva pautada
somente no trabalho com privação de liberdade em sentido estrito1. Hodiernamente
não há um conceito hermético em âmbito global para caracterizar a problemática,
mas características específicas são consideradas para a enquadramento jurídico da
prática como ilícito, dentre elas: a) o labor prestado em condições degradantes à
higidezsica e psíquica do trabalhador; b) a prestação de serviço em desacordo com
o núcleo mínimo de direitos sociais garantidos por normativos trabalhistas e; c) o
trabalho incompatível com a preservação da dignidade humana.
1 MUÇOUÇAH, Renato de Almeida Oliveira. A Efetividade da Tutela Trabalhista na Repressão ao
Trabalho Escravo Contemporâneo. In: Revista Direitos Humanos e Democracia, [S. l.], v. 4, n. 7, p.
107-149, jan./jun. 2016. Disponível em:
https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia/article/view/5793.
Acesso em: 12 jun. 2023, p. 120.
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Portanto, dois elementos fundamentais permeiam essa conceituação, quais
sejam a dignidade humana e a noção de trabalho decente2.
O primeiro elemento se perfaz na compreensão de que o direito ao trabalho é
parte integrante e indissociável da dignificação humana consagrada pela ampla
maioria dos diplomas internacionais sobre direitos humanos, e, por tal razão, a
dignidade conferida a toda e qualquer pessoa depende necessariamente da garantia,
ampla e eficaz, ao labor igualitário entre homens e mulheres, não discriminatório,
inclusivo socialmente, exercido em condições seguras e sadias, e com remuneração
coerente com o mínimo existencial.
Dessa forma, existe na dignidade humana um forte, contundente e
insofismável conteúdo de rechaço ao trabalho em condições de escravidão. Tanto é
assim, que há na perspectiva acadêmica a constatação de que a primeira utilização
da expressão “dignidade humana” em um texto normativo ocorreu em documento
oficial do governo francês responsável pela abolição da escravidão naquele país, em
1848.3
Quanto ao segundo elemento, a adoção da pauta do trabalho decente foi
inaugurada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em sua 87ª Conferência
Internacional no ano de 19994, e revelou a preocupação da organização internacional
com a promoção junto aos países-membros de plano prático voltado ao
desenvolvimento do trabalho produtivo, mas igualmente seguro, harmonioso com os
direitos de cada trabalhador, equitativo entre homens e mulheres, e voltado
precipuamente ao bem-estar global.
Sem embargo, esse elastecimento no conceito do trabalho em escravidão em
muito influenciou a forma como a temática é tratada em discussões jurídicas e
políticas, sendo usual a utilização do termo escravidão contemporânea para designar
2 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, Princípio da Igualdade e Não Discriminação: Sua
Aplicação às Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p. 67.
3 BELTRAMELLI NETO, Sílvio. Conteúdo material e culturalmente inclusivo do Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana. In: Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, mar.
2021. Disponível em: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v4.95. Acesso em: 2 mar. 2023.
4 ABRAMO, Laís. Trabalho Decente: o itinerário de uma Proposta. In: Revista Bahia Análise & Dados,
Salvador, v. 20, n. 2/3, p. 151-171, jul./set 2010. Disponível em:
https://sei.ba.gov.br/images/publicacoes/download/aed/trabalho_decente.pdf. Acesso em: 2 mar.
2023, p. 152.
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essa visão ampliada e coerente com o atual contexto mundial nos sistemas
econômico-produtivos.
No Brasil, não obstante a extirpação formal do modelo escravagista há mais
de 130 anos e a adoção de mão de obra livre e autodeterminante, o ordenamento
jurídico nacional permanece dependente de normas, internacionais e nacionais, que
tutelem o combate da escravidão contemporânea, sendo essa uma chaga ainda
vivenciada por número expressivo de trabalhadores em território nacional.
Conforme será abordado em tópico próprio, a conceituação para fins jurídicos
é fortemente influenciada pelos aspectos propostos pela legislação penal nacional,
em específico o artigo 149 do Código Penal, que aborda a problemática, sob a
nomenclatura de trabalho em condições análogas à escravidão, pautando-se em
quatro eixos, sendo eles o labor: a) forçado; b) prestado em jornadas exaustivas; c)
realizado em condições degradantes e; d) com restrição, total ou parcial, de
locomoção.
Portanto, o sistema normativo nacional, apesar de restrito e, de certo modo,
superficial5 no enquadramento da exploração humana como fato típico penal, se
apresenta como coerente e aberto à conceituação ampla do trabalho escravo. E,
sendo assim, o maior desafio normativo ao combate ao trabalho em escravidão se
constitui na concretização, pelos órgãos jurisdicionais competentes e no plano
operacional, desse enquadramento jurídico, inclusive por meio de percepções e
teorias que refutam o modelo hierárquico de disposição de normas, como é o caso
do transconstitucionalismo, temática central deste estudo e que será abordada em
linhas futuras.
5 MUÇOUÇAH, Renato de Almeida Oliveira. A Efetividade da Tutela Trabalhista na Repressão ao
Trabalho Escravo Contemporâneo. In: Revista Direitos Humanos e Democracia, [S. l.], v. 4, n. 7, p.
107-149, jan./jun. 2016. Disponível em:
https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia/article/view/5793.
Acesso em: 12 jun. 2023, p. 3.
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DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
1.2. Trabalho escravo no brasil - panorama geográfico
A estatística revela a escravidão contemporânea como um fenômeno holístico
e presente, em menor ou maior proporção, em todo o território nacional. Essa
conclusão é possível pelos números que revelam o estado do Pará como o de maior
quantitativo de trabalhadores resgatados nos últimos vinte anos (número absoluto
de 13.347)6, e trazem os estados de São Paulo (número absoluto de 2.030) e do Rio
de Janeiro (número absoluto de 1.706)7 como ocupantes da nona e décima colocação
no ranking de aferição, respectivamente.
Assim, o que se observa como variáveis nessa dinâmica são as formas e
atividades da economia em que o trabalho em escravidão acontece em cada região
do país.
Sem embargo, a concentração de mão de obra escrava evidencia-se na parte
central do país, distante dos grandes centros urbanos, o que confere nitidez a uma
forte característica da escravidão contemporânea, qual seja, a eclosão acentuada
em localidades com poucas oportunidades de emprego e qualificação e com forte
índice de desigualdade socioeconômica entre a população.
Esse recorte é bem destacado em 2020, ano em que 78% das libertações de
trabalhadores aconteceram no meio rural8. Nesse contexto, despontam como
preponderantes o labor no cultivo do café, em Minas Gerais, do sisal, no oeste
baiano, e na extração de carvão vegetal no Piauí e em Goiás9.
6 SMARTLAB. Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas. Disponível
em: https://smartlabbr.org/trabalhoescravo. Acesso em: 16 dez. 2022.
7 SMARTLAB. Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas. Disponível
em: https://smartlabbr.org/trabalhoescravo. Acesso em: 16 dez. 2022.
8 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Atuação da
Inspeção do Trabalho no Brasil para a Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo: Balanço
2020. Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Emprego, 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/areas-de-
atuacao/relatorio-2020-sit-oit-1.pdf. Acesso em: 12 jun. 2023, p. 6.
9 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Atuação da
Inspeção do Trabalho no Brasil para a Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo: Balanço
2020. Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Emprego, 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/areas-de-
atuacao/relatorio-2020-sit-oit-1.pdf. Acesso em: 12 jun. 2023, p. 17-19.
8
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Na região norte, a de maior incidência no que toca ao objeto em análise, os
dados estatísticos se justificam pelo número de trabalhadores resgatados no estado
do Pará, que sozinho concentra 24% das vítimas. Dos dez municípios com maior
número de casos de trabalho escravo do Brasil, oito se localizam no Pará10.
Todavia, tal conjuntura não reflete necessariamente baixos índices nos demais
estados da região, uma vez que as estatísticas são baseadas prioritariamente nas
denúncias realizadas aos órgãos dedicados ao combate da escravidão, que são
limitados em aporte humano e estrutural. Portanto, locais que não são alcançados
por essa fiscalização de forma ostensiva tendem a apresentar índices que não
necessariamente condizem com a realidade.
Nos centros urbanos, São Paulo apresentou nos últimos anos acentuado
acrescimento no número de resgates, cenário fortemente influenciado pelo trabalho
em pequenas confecções têxteis. Em números absolutos, a capital paulistana figura
na décima colocação entre os municípios com o maior número vítimas resgatadas, e
lidera os quantitativos de trabalhadores com residência e origem declaradas11,
quadro fático que confirma a abrangência nacional do trabalho em escravidão.
1.3. Retrato social o perfil do trabalhador escravo
O trabalhador em escravidão contemporânea no Brasil é predominantemente
homem, com baixa escolaridade e com faixa etária inserida na população
economicamente ativa12. Substancial parcela dessas vítimas possui entre 18 e 29
anos, nicho que contabilizou 17.606 resgatados nas últimas duas décadas de
enfrentamento, quantitativo que, de forma isolada, equivale aos números de
10 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Radar SIT:
Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Brasília, DF: Ministério do
Trabalho e Emprego. Disponível em: https://sit.trabalho.gov.br/radar/. Acesso em: 7 jun. 2023.
11 SMARTLAB. Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas. Disponível
em: https://smartlabbr.org/trabalhoescravo. Acesso em: 16 dez. 2022.
12 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Radar SIT:
Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Brasília, DF: Ministério do
Trabalho e Emprego. Disponível em: https://sit.trabalho.gov.br/radar/. Acesso em: 7 jun. 2023.
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DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
resgates totalizados na faixa de 30 a 54 anos13, cenário que demonstra que o
trabalhador escravizado tem uma vida profissional curta e essencialmente precária
em saúde e segurança.
Esse quadro é ainda mais agrave quando considerado o alto percentual de
resgatados com menos de 18 anos, evidenciando outras mazelas que se associam
umbilicalmente ao trabalho escravo, quais sejam a exploração e o tráfico de
menores.
No que toca às características de raça e cor, pretos e pardos compõem 60%
dos trabalhadores resgatados no corte temporal proposto neste estudo, seguidos
respectivamente por brancos (22%), asiáticos (14%) e indígenas (4%)14. Quanto aos
níveis de escolaridade, das vítimas das duas últimas décadas, 29% eram analfabetas
e 40% cursaram até o 5º ano do ensino fundamental, ao passo que apenas 5%
detinham o ensino médio completo. Não há dados de resgates de trabalhadores com
curso superior.
A análise conjunta dos fatores raciais e de escolaridade sedimenta que a
eclosão do trabalho escravo reproduz de forma fidedigna a conjuntura nacional no
que diz respeito ao acesso à qualificação e ascensão social.
Outro fator que chama a atenção é a disparidade entre os dados de
naturalidade e as localidades com maiores números de trabalhadores resgatados, o
que demonstra que, em regra, a exploração da vítima não acontece em seu local de
origem. Tanto é assim que o Maranhão é, desde o início do monitoramento por dados
oficiais, o estado com o maior número de naturalidade por trabalhadores
resgatados15, e figura apenas na quinta colocação entre os estados com maior
número de resgates16.
13 SMARTLAB. Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas. Disponível
em: https://smartlabbr.org/trabalhoescravo. Acesso em: 16 dez. 2022.
14 SMARTLAB. Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas. Disponível
em: https://smartlabbr.org/trabalhoescravo. Acesso em: 16 dez. 2022.
15 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Atuação
da Inspeção do Trabalho no Brasil para a Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo: Balanço
2020. Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Emprego, 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/areas-de-
atuacao/relatorio-2020-sit-oit-1.pdf. Acesso em: 12 jun. 2023, p. 27.
16 SMARTLAB. Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas. Disponível
em: https://smartlabbr.org/trabalhoescravo. Acesso em: 16 dez. 2022.
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BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
Por fim, imperioso ressaltar a condição de vulnerabilidade acentuada
vivenciada por trabalhadores imigrantes. Nas últimas duas décadas, foram
resgatados quase 900 trabalhadores em condições análogas à escravidão, fortemente
originários da migrão sul-sul, com contingentes do Paraguai, Peru, Venezuela e
Bolívia, submetidos a postos de trabalho em grandes centros urbanos como São Paulo
e Rio de Janeiro, e ao trabalho rural em estados como Mato Grosso do Sul17,18.
Diante disso, é possível concluir que a escravidão contemporânea é holística
em relação aos locais de incidência, mas seletiva em critérios de raça, origem e
escolaridade, uma vez que nesses aspectos se concentra em nichos populacionais que
historicamente são vilipendiados em assistência e tutela de direitos e garantias. Não
há coincidência nesse particular, mas reafirmação de que o sistema econômico-
produtivo nacional é segregador e, quando desenvolvido em condições que
desrespeitam a própria dignidade, o faz atingindo aqueles que tradicionalmente
apresentam maior vulnerabilidade em diversos prismas sociais.
1.4. Escravidão no sistema produtivo atividades da economia mais frequentes
As atividades econômicas que concentram ações de fiscalização são
amplamente inseridas na economia ruralista, com destaque para os seguintes nichos:
1) Pecuária bovina (16.756 resgastes); 2) Cultivo de cana-de-açúcar (7.710
resgastes); 3) Produção florestal florestas nativas (4.191 resgastes); 4) Cultivo de
café (3.118 resgastes) e 5) Cultivo de soja (1.559 resgates)19.
17 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Atuação
da Inspeção do Trabalho no Brasil para a Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo: Balanço
2020. Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Emprego, 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/areas-de-
atuacao/relatorio-2020-sit-oit-1.pdf. Acesso em: 12 jun. 2023, p. 24.
18 INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (ILO); WALK FREE; INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR
MIGRATION (IOM). Global Estimates of Modern Slavery: Forced Labour and Forced Marriage.
Geneva: ILO, 2022. Disponível em: https://www.ilo.org/global/topics/forced-
labour/publications/WCMS_854733/lang--pt/index.htm. Acesso em 6 jun. 2023.
19 SMARTLAB. Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas. Disponível
em: https://smartlabbr.org/trabalhoescravo. Acesso em: 16 dez. 2022.
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trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
Nessa fotografia, destaca-se o crescimento exponencial nos últimos anos do
número de resgatados no cultivo do café, especialmente em Minas Gerais. O
incremento foi tão robusto que deu à aludida unidade da federação o primeiro lugar
no ranking de trabalhadores vitimados em 2020, com total de 351 resgates20.
Ainda no meio rural, igualmente cabe ênfase aos setores de exploração de
florestas nativas, o que evidencia a relação direta entre o trabalho escravo e outra
problemática nacional, o desenvolvimento econômico com desrespeito à proteção
ambiental. Nesse particular, a extração de carvão vegetal mostra-se como uma das
vertentes de maior eclosão de casos, especialmente nos estados de Minas Gerais,
Goiás, Pará e Piauí21.
Nos centros urbanos, construção civil e confecção têxtil se mostram como os
setores de maior probabilidade de casos envolvendo escravidão contemporânea22.
2. A tutela normativa de combate ao trabalho escravo
O trabalho em condições de escravidão desponta na seara jurídica como
objeto de robusta relevância, sendo tratado, ainda que indiretamente, pela vasta
maioria dos instrumentos normativos que versam sobre direitos humanos, e se
evidenciando como demanda central das normatizações internacionais que
chancelam direitos sociais. O presente capítulo examinará a temática em âmbito
normativo global, interamericano e nacional.
20 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Atuação
da Inspeção do Trabalho no Brasil para a Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo: Balanço
2020. Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Emprego, 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/areas-de-
atuacao/relatorio-2020-sit-oit-1.pdf. Acesso em: 12 jun. 2023, p. 15.
21 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Atuação
da Inspeção do Trabalho no Brasil para a Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo: Balanço
2020. Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Emprego, 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/areas-de-
atuacao/relatorio-2020-sit-oit-1.pdf. Acesso em: 12 jun. 2023, p. 18.
22 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Radar SIT:
Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Brasília, DF: Ministério do
Trabalho e Emprego. Disponível em: https://sit.trabalho.gov.br/radar/. Acesso em: 7 jun. 2023.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
2.1. Sistema global
A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) se posiciona como o
diploma de maior relevância no plano internacional no que concerne à tutela da vida
humana. E, quanto ao tema objeto deste estudo, enfatiza em seu artigo 4º que
“ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de
escravo serão proibidos em todas as suas formas”23.
A amplitude do dispositivo contempla aspectos da escravidão que
transcendem o objeto do presente estudo, abarcando, por exemplo, situações de
privação de direitos decorrentes de conflitos armados e instauração de regimes
governamentais destoantes aos direitos humanos. Não obstante, é certo que o
diploma apresenta densidade normativa voltada ao rechaço do trabalho em regime
de escravidão, tanto sob o viés tradicional quanto na perspectiva contemporânea de
celeuma.
Reforçando o escopo de transmitir valores fundamentais de ética e primazia
aos direitos humanos24, o artigo 5º da DUDH censura qualquer forma de tratamento
cruel ou degradante nas relações humanas, o que confirma que a Carta Universal
tratou, em seus dispositivos iniciais, do enfrentamento à escravidão de forma
genérica, e não apenas sob a viés laborativo.
Essa particularização acontece em seus artigos 22 a 27, que cuidam de
garantias exercidas nos campos sociais, econômicos e culturais. Sem embargo, os
artigos 23 e 24 referendam o direito universal ao trabalho, exercido de forma livre e
em condições de desenvolvimento justas e seguras. A normatização prevê também
garantias de remuneração justa e hábil à subsistência do trabalhador e de sua
família, limitação de jornada, tempo destinado a lazer e férias, organização sindical
e desempenho do ofício de modo condizente com a dignidade humana.
23 UNICEF Brasil. Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Disponível em:
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 8 dez. 2022.
24 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva,
2022, p. 241.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
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BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
Dessa maneira, é nítida a preocupação do texto universal em consagrar
direitos e valores de liberdade e igualdade no plano das relações humanas, inclusive
as laborativas, daí porque seu cumprimento, como diploma com força vinculante
referendado no âmbito das Nações Unidas25, deve nortear o enfrentamento jurídico
da escravidão contemporânea perante qualquer país que se submeta ao sistema da
Organização das Nações Unidas.
Ainda no sistema onusiano, outros normativos guardam pertinência com
combate à escravidão. Destacam-se: a) o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e
Políticos 1966 (internalizado pelo Brasil - Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992),
que prevê o compromisso dos Estados ratificantes ao combate à discriminação por
diversos aspectos (artigo 2º) e à vedação à prática de escravidão e trabalhos forçados
(artigo 8º); b) a Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial (internalizado pelo Brasil - Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro
de 1969), que prevê o dever estatal de combater e proibir a discriminação racial na
vida em sociedade, inclusive no ambiente laborativo, instituindo o trabalho como
direito e; c) a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher (internalizado pelo Brasil - Decreto nº 4.377, de 13 de
setembro de 2002), que elenca o trabalho como direito humano, com salvaguarda
das garantias de exercício com liberdade, igualdade entre homens e mulheres e
proibição de tratamento discriminatório, dentre outras prerrogativas.
Destaque-se também a Convenção Suplementar sobre a Abolição da
Escravatura, do Tráfego de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à
Escravatura de 1956 (internalizado pelo Brasil - Decreto nº 58.563, de 1º de junho de
1966)26, em que o sistema global apresenta visão particular à caracterização da
escravidão nas práticas laborativas. O texto do documento é rico nesse sentido, na
medida em que chancela a liberdade de trabalho como direito inerente à existência
humana, e trata expressamente da servidão por dívidas e do trabalho em servidão,
25 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva,
2022, p. 248-250.
26 BRASIL. Decreto Nº 58.563, de 1º de junho de 1966. Convenção Suplementar sobre a Abolição da
Escravatura. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Atos/decretos/1966/D58563.html. Acesso em: 1 dez. 2022.
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BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
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inclusive fazendo uso de expressão semelhante à utilizada pela legislação penal
brasileira, ao dispor acerca da condição análoga à escravidão.
Por fim, o sistema onusiano mostrou-se consciente de que a escravidão
contemporânea atinge com frequência a crianças e adolescentes, principalmente nas
nações da periferia do capital, e editou a Convenção sobre os Direitos da Criança
(internalizada pelo Brasil - Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990). O
normativo, em seu artigo 32, institui o dever dos Estados-membros de estabelecer
idade mínima ao trabalho, com jornada e condições de desempenho adequadas às
características e necessidades da criança e do adolescente, proibindo expressamente
qualquer ofício prejudicial à educação, à saúde e ao desenvolvimento físico, social
e psíquico desse nicho populacional, o que torna o diploma de substancial relevância
na conjuntura do tema proposto.
No que se refere aos tratados internacionais em matéria penal, o Estatuto de
Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional e foi internalizado pelo Brasil
(Decreto n. 4.388/2022)27, se caracteriza como o diploma de maior relevância no
combate à escravidão contemporânea, na medida em que elenca a escravidão como
crime contra a humanidade (artigo 7º), sujeito a imprescritibilidade (artigo 29). O
teor do referido tratado permitiu a interpretação do combate à escravidão
contemporânea como norma de jus cogens28.
Na atuação da Organização Internacional do Trabalho - OIT, o combate do
trabalho escravo ganha delineamento específico, sendo a temática uma das
preocupações centrais da agência onusiana.
Nesse particular, o primeiro diploma a ser destacado é a própria Constituição
da OIT. Editada em 1919, o documento reconhece a existência do trabalho escravo
desde seu preâmbulo, ao dispor que “existem condições de trabalho que implicam,
27 BRASIL. Decreto Nº 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal
Penal Internacional. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm. Acesso em: 1 dez. 2022.
28 MOREIRA, Thiago Oliveira. O Direito Internacional E As Normas De Jus Cogens: Uma Questão
Filosófica. In: Revista FIDES, Natal, v. 3, n. 1, jan./jun. 2012. Disponível em:
http://www.revistafides.ufrn.br/index.php/br/article/view/97/102. Acesso em: 12 jun. 2023, p. 24-
42.
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BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
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para grande número de indivíduos, miséria e privações”29 o que demonstra que o
enfrentamento em âmbito global da problemática é central e crucial para o
desenvolvimento humano de forma geral.
Em verdade, a Constituição da OIT em sua totalidade é voltada ao integral
rechaço de qualquer forma de labor que, minimamente, caracterize vilipêndio à vida
humana digna. A gênese do normativo é universalizar valores e garantias capazes de
respaldar um núcleo mínimo de direitos laborativos. Não obstante, é possível elencar
alguns dispositivos tratam do combate à escravidão contemporânea de forma mais
contundente, dentre eles: a) a proibição de instrumentalização humana nas relações
laborativas (artigo 1º, item “a”); b) a liberdade como condição sine qua non ao
exercício de qualquer ofício (artigo 1º, item “b”); c) a consagração da liberdade e
dignidade como cernes das relação de trabalho (artigo 2º, item “a”) e; d) o dever
dos Estados-membros de garantir condições mínimas de labor condizentes com a
dignidade humana, inclusive com a imposição de remunerações que viabilizem o
progresso do trabalhador e um salário vital” à sua subsistência.
O mesmo escopo é referendado na Declaração da OIT de Princípios e Direitos
Fundamentais do Trabalho de 1998, na medida em que impõe a todos os Estados-
membros, independente da ratificação de Convenções específicas, o dever geral de
promover os princípios universais da Organização, dentre eles o que versa sobre a
eliminação de todas as formas de trabalho forçado.
Acerca das normas individualmente voltadas ao combate do trabalho em
escravidão, a OIT debruçou-se sobre a temática por meio de duas Convenções
específicas: a Convenção n. 29/193030 (ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n.
29 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Constituição da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e seu Anexo: Declaração de Filadélfia. In: SSEKIND, Arnaldo Lopes. Convenções da
OIT. [S. l.]: LTr, 1994. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---
ro-lima/---ilo-brasilia/documents/genericdocument/wcms_336957.pdf. Acesso em: 8 dez. 2022.
30 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção Nº 29 da OIT Concernente a
Trabalho Forçado ou Obrigatório. In: BRASIL. Decreto Nº 10.088, de 5 de novembro de 2019. Consolida
atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de
convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho - OIT ratificadas pela
República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2019/Decreto/D10088.htm#anexo14. Acesso em: 8 dez. 2022.
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24, de 29 de maio de 1956) e a Convenção n. 105/195731 (ratificada pelo Brasil por
meio do Decreto n. 20, de 30 de abril de 1965).
Sem embargo, a Convenção n. 29/1930 é composta por 33 artigos, e, em que
pese sua relevância no rechaço à escravidão, seu texto apresenta viés
substancialmente limitado no entendimento da escravidão sob o prisma das relações
de trabalho. O normativo carrega em si uma visão anacrônica, não alcançando as
formas de manifestação da celeuma nos dias atuais, em especial no que toca a
condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, tratamento discriminatório,
dentre outros aspectos que se conectam com a temática.
Tanto é assim que o diploma não utiliza expressões como escravidão ou
trabalho em condições análogas à escravidão. Limita-se a conceituar o trabalho
forçado ou obrigatório como aquele exigido sob ameaça ou destituído de ato volitivo
do trabalhador, o que demonstra a insuficiência do texto para o cenário mundial
hodierno.
Ante a flagrante incompletude do documento, a Convenção n. 105/1957 surge
como tentativa da OIT de ampliar em seu corpo normativo a noção de trabalho
escravo. O documento amplia consideravelmente a conceituação proposta para a
temática, rechaçando a utilização do trabalho forçado e obrigatório como forma de
desenvolvimento econômico, medida laborativa disciplinar ou meio de discriminação
racial, social, religiosa ou nacional.
Esse desiderato da norma foi fortemente influenciado pelas atrocidades
cometidas em desfavor de minorias raciais, sociais e étnicas, sob o respaldo da
legalidade formal, no período histórico que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, e
que despontou como baliza fundamental da tutela de direitos humanos.
Apesar dos avanços, a normatização carece de aperfeiçoamento por diploma
mais amplo e que destrinche outras celeumas que permeiam a escravidão
31 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção Nº 105 da OIT Concernente à
Abolição do Trabalho Forçado. In: BRASIL. Decreto Nº 10.088, de 5 de novembro de 2019. Consolida
atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de
convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho - OIT ratificadas pela
República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2019/Decreto/D10088.htm#anexo25. Acesso em: 8 dez. 2022.
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BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
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contemporânea, o que veio, em certa medida, com o Protocolo à Convenção n. 29
sobre trabalhos forçados. Editado em 2014, o escopo central do documento foi
ampliar e detalhar ações de prevenção, combate e reparação da exploração humana
mediante trabalho escravo.
O Protocolo reconhece em seu preâmbulo a necessidade de melhorias nos
diplomas da OIT, e expressamente menciona a urgência por um normativo mais
amplo e hábil ao trato das formas pelas quais o trabalho escravo se evidencia
hodiernamente nas relações de trabalho32.
Ainda no preâmbulo, o documento se refere às atividades econômicas e aos
grupos de trabalhadores mais suscetíveis à incidência do trabalho em escravidão, e
constrói a intersecção entre a escravidão contemporânea e outras chagas sociais de
âmbito mundial, quais sejam o tráfico e a exploração sexual de pessoas e o labor
infantil. Essa medida, na implementação de políticas públicas, se revela benéfica,
uma vez que permite a construção de soluções com consciência da relação simbiótica
entre as referidas chagas e seus malefícios nas relações de trabalho.
Outro fator que a norma inaugura é a preocupação em garantir às vítimas o
amplo acesso aos meios jurídicos para combate, reabilitação e reparação dos danos
advindos pela submissão à escravidão (artigo 1º), atribuindo a Estados e
empregadores o dever de fiscalização e proteção à higidez física e psíquica de seus
trabalhadores, inclusive por meio da construção de uma rede de enfrentamento
global, nos planos jurídico e prático (artigo 2º), o que confirma a visão de que o
trabalho em escravidão deve ser tema comum a toda e qualquer nação minimamente
comprometida com o cumprimento dos diplomas internacionais sobre direitos
humanos e, em especial, direitos sociais.
O documento foi internalizado pelo Brasil em 2017, e atualmente conta com
cinquenta e nove ratificações de países de todos os continentes, dentre eles
32 ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO (OIT). P029 - Protocolo de 2014 relativo al
Convenio sobre el trabajo forzoso, 1930. Disponível em:
https://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:P029.
Acesso em: 8 dez. 2022.
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BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
Alemanha, Espanha, França, Rússia, Portugal, Austrália, Arábia Saudita, Argentina,
Canadá, Mali e Sudão33.
Ainda no que toca aos avanços normativos pela organização onusiana, cabe
enfatizar a edição da Recomendação n. 203/2014, que prevê orientações, sem cunho
vinculativo, destinadas a auxiliar os Estados-membros na construção de legislação e
políticas públicas eficientes no objetivo proposto34.
Em linhas gerais, a norma endossa o viés globalizante de ação contra o
trabalho escravo, ao relacionar inúmeras medidas preventivas a serem adotadas de
forma integrativa por Estados-membros, dentre elas o reconhecimento e a
destinação de tutela específica a grupos sociais em extrema vulnerabilidade, a
prevenção à discriminação no ambiente laborativo e o fornecimento de ambiente de
trabalho minimamente coerente com as normas de saúde e proteção (artigos 3º a
5º). Além disso, reforça a necessidade de uma legislação penal combativa e rígida
contra o trabalho em escravidão (artigos 12 e 13), com penas e formas de indenização
coerentes com a gravidade da celeuma social, e ações de modo integrado entre
Estados-membros, inclusive por meio da cooperação internacional (artigo 14).
Portanto, o que se observa diante dos normativos explanados e sem o intuito
de exaurir a temática, é que o sistema jurídico global cumpre, em razoável medida,
seu escopo de instituir balizas fundamentais voltadas ao enfrentamento do trabalho
em escravidão. Justamente por consagrarem parâmetros genéricos e mínimos de
tutela35, seu aprimoramento por sistemas regionais e pelo ordenamento jurídico de
cada país mostra-se imprescindível para a edificação de um arcabouço, normativo e
prático, de real alcance social.
33 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Normas da OIT sobre o Trabalho
Forçado: O novo Protocolo e a nova Recomendação em resumo/Organização Internacional do
Trabalho. Genebra: OIT, 2018. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---
ed_norm/---ipec/documents/publication/wcms_734463.pdf. Acesso em: 8 dez. 2022, p. 8
34 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Normas da OIT sobre o Trabalho
Forçado: O novo Protocolo e a nova Recomendação em resumo/Organização Internacional do
Trabalho. Genebra: OIT, 2018. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---
ed_norm/---ipec/documents/publication/wcms_734463.pdf. Acesso em: 8 dez. 2022, p. 12.
35 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva,
2022, p. 263.
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2.2. Sistema interamericano
No contexto interamericano, dois normativos são de relevância primordial aos
fins propostos neste estudo, sendo eles a Declaração Americana de Direitos e Deveres
do Homem (DADDH - 1948) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH
- 1969), esta conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. Os normativos serão
tratados em sequência pelo critério temporal de edição.
Sem embargo, a DADDH é anterior à própria DUDH36, e representou o norte
inicial no resguardo aos direitos humanos em âmbito normativo. O documentou
tornou-se vinculativo aos membros da Organização dos Estados Americanos OEA,
conforme precedentes exarados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos37.
Em que pese a inadequação da nomenclatura, se contextualizada aos dias
atuais e em contraponto à igualdade entre homens e mulheres, a Declaração
Americana respalda-se no mesmo alcance genérico proposto pela Carta Universal de
Direitos Humanos (1948) e, no que se referente ao tema deste estudo, consagra e
resguarda a liberdade e dignidade humana já em seu preâmbulo, e destina ao campo
laborativo de garantias os seus artigos 14 e 15, enfatizando o direito ao trabalho com
remuneração justa, repouso e exercido “em condições dignas”38.
Por fim, cumpre destacar o viés axiológico do documento, que trata do
trabalho sob a perspectiva de exercício sob “livre vocação” (artigo 14), e como dever
individual e da coletividade (artigo 37), o que, em certa medida, reforça o escopo
dignificante do trabalho como elemento de desenvolvimento humano universal.
36 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2017, p. 311.
37 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Reflexões sobre o valor jurídico das Declarações Universal e
Americana de Direitos Humanos de 1948 por ocasião de seu quadragésimo aniversário. In: Revista de
informação legislativa, Brasília, DF, v. 25, n. 99, p. 9-18, jul./set. 1988. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/181857. Acesso em: 7 jun. 2023, p. 6.
38 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Declaração Americana de Direitos e Deveres do
Homem. Disponível em:
https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.declaracao_americana.htm. Acesso em 12 dez.
2022.
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DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
Por sua vez, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), firmada
em novembro de 1969 e internalizada pelo Brasil em 199239, cuidou de aprofundar o
rol de direitos e garantias previstos na Declaração Americana40, e no combate
ostensivo ao trabalho escravo destacou: a) a vedação a tratamento discriminatório
sob vários aspectos, inclusive em razão da nacionalidade (art. 1º); b) o direito ao
respeito à integridade física, psíquica e moral como inerente à condição humana
(art. 5º); c) a proibição à escravidão e ao trabalho em regime de servidão, e ao labor
forçado ou obrigatório, além da vedação ao tráfico humano (art. 6º) e; d) o direito
ao reconhecimento da dignidade como direito indisponível (art. 11)41.
Necessário pontuar igualmente o conteúdo normativo previsto no preâmbulo
do documento, que chancela expressamente a “justiça social” e a “liberdade” como
direitos essenciais da humanidade, que derivam unicamente de “atributos da pessoa
humana”42, o que, em conjunto com o conteúdo previsto nos artigos do diploma,
cuja natureza jurídica é de tratado internacional, traz ao sistema regional
interamericano um corpo de normas vinculantes43 de proteção à pessoa em trabalho
escravo.
Em fecho, ressalte-se que a vinculação do Brasil ao sistema interamericano
deu-se formalmente com a adoção da CADH em 1992 e o reconhecimento de
submissão à Jurisdição da Corte IDH em 1998, conjuntura decorrente da necessidade
do país de evidenciar, em seu processo de redemocratização, um compromisso forte
e inegociável com a tutela dos direitos humanos44.
39 BRASIL. Decreto Nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 19 out. 2022.
40 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2017, p. 313.
41 BRASIL. Decreto Nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 1 dez. 2022.
42 BRASIL. Decreto Nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 1 dez. 2022.
43 MOREIRA, Thiago Oliveira. A aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela
jurisdição brasileira. Natal: EDUFRN, 2015. Disponível em:
https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/19482. Acesso em: 12 jun. 2023, p. 77.
44 BELTRAMELLI NETO, Sílvio; RODRIGUES, Mônica Nogueira. El impacto de la Comisión Interamericana
de Derechos Humanos en el combate de la esclavitud contemporánea en Brasil: una relación de
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BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
2.3. Sistema brasileiro
A ordem jurídica nacional vigente traz a Constituição Federal de 1988 como
cerne da tutela de direitos humanos e das garantias sociais, instituindo a dignidade
humana como princípio fundamental (artigo 1º, III), que irradia efeitos nos demais
aspectos do arcabouço constitucional e de toda legislação infraconstitucional.
Especificamente quanto à proteção contra o trabalho em escravidão, a Carta Magna
propõe o enfrentamento da problemática por um rol extenso de direitos sociais
(artigos 6º e 7º da CF/8845).
Em aprimoramento ao texto original, a Emenda Constitucional n. 81/2014
trouxe avanço significativo no combate ao trabalho em escravidão. A referida
modificação foi promovida na redação de seu artigo 243, que passou a autorizar a
expropriação pelo Poder Público de propriedades, urbanas e rurais, nas quais o
trabalho em condições análogas à escravidão for constatado46. A medida apresenta-
se como mais uma faceta do caráter punitivo severo que deve permear o rechaço da
problemática ora tratada.
No plano infraconstitucional, dois aspectos merecem destaque, quais sejam:
a) a legislação trabalhista de forma ampla e integral, uma vez que versa
precipuamente acerca de direitos não observados nas relações em que a escravidão
contemporânea se desenvolve e; b) a legislação penal, especificamente os artigos
149 e 203 Código Penal, que tratam da criminalização do trabalho em condição
análoga à escravidão.
Sem embargo, na esfera penal, o artigo 149 do Código Penal institui como
crime, passível de pena de reclusão:
implicación. In: Revista IIDH, San José, v. 70, jul./dic. 2019. Disponível em:
https://repositorio.iidh.ed.cr/handle/123456789/1437. Acesso em: 2 mar. 2023, p. 6.
45 BRASIL. Constituão da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 8 dez. 2022.
46 BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitucional Nº 81, de 5 de junho de 2014. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc81.htm. Acesso em: 8 dez.
2022.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
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trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
“reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva,
quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de
dívida contraída com o empregador ou preposto”47.
A redação do dispositivo legal edificou como crime hipóteses que não se
vinculam necessariamente à restrição da liberdade de ir e vir, viabilizando a
caracterização do ilícito penal diante de jornadas de trabalho extenuantes,
condições de labor degradantes e em descompasso com as normas de saúde e
segurança do trabalho, ou por meio da servidão por dívida, esta última também
denominada de truck system, tipificada no artigo 203 do Código Penal.
Assim, a legislação penal consegue, em razoável medida e para além dos
normativos internacionais, vincular a conceituação do trabalho escravo à proteção a
bens jurídicos que vão além da liberdade em sentido estrito, contemplando outras
garantias inerentes à vida humana digna48.
Esse avanço legislativo decorreu de modificação dos tipos penais aludidos
promovida pela Lei n. 10.303/2003, e foi influenciado pelo compromisso firmado
pelo Brasil, em solução amistosa de conflito, junto à Corte Interamericana de
Direitos Humanos. Na ocasião, o Estado brasileiro reconheceu ter cometido violações
a direitos humanos ao não adotar medidas de enfrentamento, concretas e eficazes,
no emblemático caso n. 11.289 da Corte IDH, em que se tratou do trabalhador Jo
Pereira, libertado em 1989, após ser resgatado em condições análogas à escravidão
em fazenda localizada no estado do Pará49.
47 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 16 dez.
2022.
48 BELTRAMELLI NETO, Sílvio; ADÃO, Felipe da Silva Pinto. Para além do ir e vir: o conceito normativo
brasileiro de trabalho escravo ante o direito comparado. In: Revista da Faculdade de Direito UFPR,
Curitiba, v. 62, n. 1, jan./abr. 2017. Disponível em:
http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/47832. Acesso em: 2 mar. 2023, p 14.
49 BELTRAMELLI NETO, Silvio. Apontamentos sobre a imprescritibilidade dos crimes relativos a trabalho
escravo segundo a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos para o Caso Trabalhadores
da Fazenda Brasil Verde. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA DF, 26, Brasília, DF, 2017.
Eficácia de direitos fundamentais nas relações do trabalho, sociais e empresariais. Florianópolis:
CONPEDI, 2017. Disponível em:
23
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BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
Portanto, a evolução normativa em âmbito nacional decorreu, em grande
parte, de anterior leniência estatal no enfrentamento e na punição ao trabalho
escravo, e atualmente traz particularizações atentas ao contexto laborativo
hodierno, que não são integralmente formalizadas em diplomas internacionais,
dentre eles as Convenções da OIT tratadas anteriormente.
Por consequência ao exposto, constata-se a existência de sistemas de combate
ao trabalho escravo que, não obstante a distinção em seus níveis de atuação,
confluem para um objetivo comum de enfrentamento à escravidão contemporânea.
A interação entre esses sistemas jurídicos perpassa por discussões que transcendem
a disposição e o nivelamento de normas por critérios meramente hierárquicos,
conjuntura que confere destaque a teorias hierárquicas, como a proposta pelo
transconstitucionalismo, que será analisado no capítulo seguinte.
3. O transconstitucionalismo e a construção de um complexo normativo
heterárquico de combate ao trabalho escravo no brasil
Nenhum direito ou garantia se aplica a cenário, fático ou jurídico, hermético,
e essa afirmação ganha força diante da globalização, intensa e constante, de
recursos econômicos, de informação, de pessoas e de outros tantos fatores que
compõem uma sociedade multicêntrica50.
Tal conclusão não é diferente quando aplicada aos aspectos laborativos da
sociedade, haja vista ser o direito do trabalho um dos ramos jurídicos que mais sofre
influência desse dinamismo da ordem mundial.
Nesse caminho, surge o transconstitucionalismo, que será abordado no
presente capítulo, de modo a averiguar a possibilidade de sua utilização como
viabilizante de um complexo de normas heterárquico de combate ao trabalho escravo
no contexto brasileiro.
http://site.conpedi.org.br/publicacoes/roj0xn13/e7x5ou99/1EBj3rzTBMyJewjd.pdf. Acesso em: 2
mar. 2023, p. 21.
50 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018, p. 26-27.
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trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
3.1. Transconstitucionalismo conceito e aspectos gerais
A mundialização de problemas e recursos exige a construção de soluções pelo
entrelaçamento de ordens jurídicas de origens e níveis normativos distintos, que se
complementam e estruturam em relações de heterarquia.
Esse contexto provoca as ordens estatais a repensar o modo de tutela jurídica
oferecida a garantias mínimas universais e, diante disso, a própria compreensão
tradicionalista de soberania é posta em questionamento. Em outras palavras, tem-
se, em certa medida, um esvaziamento desse viés soberano estatal nacional, que
abre espaço para uma nova estruturação do direito51, baseada na construção de
pontes de diálogos entre sistemas jurídicos de planos distintos, que despojam da
baliza da hierarquia como parâmetro de disposição normativa, e adotam como norte
primordial a consagração dos direitos humanos e a força expansiva da dignidade
humana52.
Nesse caminho, a heterarquia jurídica defende a construção e estruturação de
um complexo de normas plural quanto aos órgãos e às autoridades competentes para
sua edição, na medida em que o conteúdo normativo advém de sistemas jurídicos
diversos. O critério heterárquico desconstrói o ideal de autoimposição de uma ordem
jurídica perante outra e, em contraponto, propõe uma relação de integração. Trata-
se do chamado acoplamento heterárquico de sistemas jurídicos diversos53.
Há, assim, um contraponto ao escalonamento normativo não integrado e
pautado unicamente na soberania estatal. Todavia, é preciso esclarecer que o escopo
heterárquico não é o integral abandono da perspectiva hierárquica pelas ordens
51 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução George Sperber,
Paulo Astor Soethe e Milton Camargo Mota. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2004, p. 178.
52 FACHIN, Melina Girardi. Constitucionalismo Multinível: diálogos e(m) direitos humanos. In: Revista
Ibérica do Direito. [S. l.], v. 1, n. 1, p. 53-68, jan./jun 2020. Disponível em:
https://www.revistaibericadodireito.pt/index.php/capa/article/view/26. Acesso em: 6 jun. 2023,
p. 2.
53 PERNICE, Ingolf. Multilevel Constitutionalism and the Crisis of Democracy in Europe. European
Constitutional Law Review, Cambridge, v. 11, n. 3, p. 541-562, 2015. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4409053/mod_resource/content/1/ingolf%20pernice%20
multilevel_constitutionalism_and_the_crisis_of_democracy_in_europe%202015.pdf - Acesso em: 12
jun. 2023.
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normativas. O que se pretende é a convivência harmoniosa das duas formas de
disposição de normas, cabendo à heterarquia a resolução de conflitos e paradoxos
decorrentes do uso da autoimposição hierárquica entre os sistemas jurídicos54.
Com a utilização das duas vertentes objetiva-se a resolução de celeumas
constitucionais por meio de um pluralismo normativo flexível em sua estruturação e
seu conteúdo, posto que oriundo de estruturas legiferantes e estatais distintas,
despidas de subordinação entre as ordens jurídicas55.
Nesse cenário, o transconstitucionalismo surge como um dos aportes teóricos
que defendem essa disposição multissistêmica de normas baseada na mutualidade
de problemas e soluções. Os vínculos não são territoriais ou decorrentes de uma
atividade normativa estatal comum, ao contrário, são estruturados pelo diálogo
entre sistemas de diferentes origens e níveis de amplitude.
A teoria é proposta pelo professor Marcelo Neves, e vaticina essa edificação
de sistemas multiníveis por meio de “pontes de transição”, permissivas a
interpenetrações e interferências recíprocas, com o fim comum de observação,
aprimoramento e intercâmbio56 das normatizações. Em outras tintas, sistemas
jurídicos, de diferentes níveis e independentes em elementos (normas), operações
(atos jurídicos) e identidade (dogmática jurídica), estabelecem entre si uma
comunicação coordenada57, e não soberana, na busca pela aplicação de um direito
multicêntrico e eficiente frente a questões constitucionais.
Dessa comunicação surge tanto a solução da celeuma constitucional posta
quanto a própria autopoiese58 das ordens jurídicas, que se integram em conteúdo,
54 BORGES, Thiago Carvalho. O monitoramento e fiscalização do cumprimento das sentenças da Corte
Interamericana de Direitos Humanos e a relação heterárquica entre o Direito internacional e o Direito
brasileiro. In: Revista de Direito Internacional, Brasília, DF, v. 19, n. 1, p. 319-335, 2022. Disponível
em: https://doi.org/10.5102/rdi.v19i1.8141. Acesso em: 2 mar. 2023, p. 323.
55 HUOMO-KETTUNEN, Merita. Heterarchical Constitutional Structures in the European Legal Space.
European Journal of Legal Studies, Fiesole, v. 6, n. 1, p. 47-65, 2013. Disponível em:
https://hdl.handle.net/1814/28729. Acesso em: 6 jun. 2023, p. 50.
56 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018, p. 117-118, p.
125.
57 CARVALHO, Alexandre Douglas Zaidan de. Transconstitucionalismo ou cosmopolitismo: perspectivas
para uma semântica dialógica no constitucionalismo contemporâneo. In: Direito, Estado e Sociedade,
Rio de Janeiro, n. 46, jul. 2016. Disponível em: https://doi.org/10.17808/des.46.403. Acesso em: 16
dez. 2022, p. 86.
58 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018, p. 109.
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mas permanecem desvinculadas sob o prisma da territorialidade. Por consequência,
tem-se prestações recíprocas, por meio de interpretações e interferências, entre os
ordenamentos jurídicos59, apesar de estarem desacoplados no plano geográfico.
Esse desapego aos critérios territoriais, ligados à soberania e concentração de
poderes e competências normativas, impõe a transposição de preconceitos e a
assunção de uma postura jurídica mais adaptável e coerente com as demandas
regionais e mundiais60, sendo esta uma marca das teorias heterárquicas.
O próprio epíteto escolhido para denominar o estudo advém da desassociação
do direito de critérios territoriais ou pautados em uma única fonte jurídica, daí
porque o diálogo transconstitucional é passível de se desenvolver entre ordens
estatais, ordens estatais e supranacionais, ordens estatais e transnacionais e entre
ordens estatais e o direito internacional, sendo esta última hipótese a mais adequada
ao objeto do presente escrito, posto que capaz de abarcar a ordem jurídica brasileira
e o direito internacional voltado ao resguardo de direitos humanos e sociais.
Esse rompimento do Direito com a percepção de competência normativa
baseada na soberania se torna mais evidente quando a teoria transconstitucional é
posta frente a garantias fundamentais pertinentes aos planos individual e coletivo,
como é o caso dos direitos sociais trabalhistas61. A pessoa humana, como titular de
direitos humanos laborativos, deve ser tutelada independente de critérios de
soberania ou fronteiras.
A teoria não se presta à construção de uma nova pirâmide jurídico-normativa,
mas de legitimar o entrelaçamento62 dinâmico e constante de atos normativos
nacionais, supranacionais e internacionais, sem a predominância da hierárquica na
59 SILVA, Juvêncio Borges; SERRANO, Elis Betete. O Transconstitucionalismo como método propulsor
da concentração dos Direitos Coletivos na Sociedade Multicêntrica. In: Revista Brasileira de Filosofia
do Direito, Brasília, DF, v. 3, n. 1, p. 39-59, jan./jun. 2017. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-012X/2017.v3i1.1965. Acesso em: 16 dez. 2022,
p. 11.
60 MENDES, Gilmar Ferreira. A Justiça Constitucional nos Contextos Supranacionais. In: NEVES, Marcelo
(Coord.). Transconstitucionalidade do Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 243.
61 GARCIA, Marcos Leite. Reflexões sobre o fenômeno dos “novos” direitos fundamentais e as
demandas transnacionais. In: Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 3, p. 103-129, jan./jun. 2010.
Disponível em: https://doi.org/10.17058/rdunisc.v0i0.1801. Acesso em: 12 jun. 2023.
62 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018, p. 50.
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disposição das normas. Desse modo, a construção de vínculos de aprendizado e
influência recíproca63 se constitui marca central do transconstitucionalismo.
Desse modo, tem-se a denominada fertilização constitucional cruzada, em que
celeumas jurídicas de âmbito constitucional e possíveis soluções respectivas são
compartilhadas em incorporação normativa recíproca (autopoiese do direito)64.
Essa fertilização pode, e deve, ser extraída de mecanismos que vão além das
decisões de Cortes Constitucionais. Juízes e tribunais são postos como a principal
ponte de transição, mas não excluem o relacionamento dos sistemas jurídicos no
plano reflexivo das normatizações, sem a chancela do Poder Judiciário. Nesse
particular, o prisma acadêmico ganha protagonismo, e, para além, o desiderato se
expande para a função legiferante e administrativa de cada Estado ou Organismo
Internacional65.
No que tange aos objetivos, esse diálogo jurídico multissistêmico se propõe à
resolução de problemas constitucionais cujo modelo clássico de disposição normativa
não se mostra hábil à resolução. Nessa dinâmica, o escopo central revela-se na
formação de um campo normativo hábil a garantir ampla e eficaz prevalência dos
direitos humanos fundamentais66.
Saliente-se a ausência no transconstitucionalismo de um anseio pela
construção de um sistema jurídico mundial único. A pluralidade normativa é
característica necessária à aplicação da teoria. Não há igualmente o escopo de
superlativar o direito internacional ou de qualquer ordem jurídica específica frente
a outras. Nenhuma das ordens jurídicas detém legitimidade para reclamar primazia
63 LYRA, José Francisco Dias da Costa. NUNES, Péricles Stehmann. Transconstitucionalismo entre
Ordens Jurídicas. Editora FI: Porto Alegre, 2018, p. 70.
64 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018, p. 84.
65 LOPES FILHO, Francisco Camargo Alves; MOREIRA, Thiago Oliveira. Há espaço para o princípio pro
persona no âmbito da racionalidade transversal do transconstitucionalismo? In: Revista de Direitos
Humanos e Desenvolvimento Social, [S. l.], v. 1, p. 119, 2020. Disponível em:
https://periodicos.puc-campinas.edu.br/direitoshumanos/article/view/5208. Acesso em: 6 jun.
2023, p. 5.
66 ROCHA, Claudio Jannotti da. O (Trans)Constitucionalismo, o Direito Internacional e o Direito do
Trabalho: um complexo normativo em busca da proteção ao trabalhador brasileiro. In: Revista da
Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 16, n. 32, 2013. Disponível em:
https://doi.org/10.5752/P.2318-7999.2013v16n32p352. Acesso em: 12 jun. 2023, p. 32.
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ou superioridade67. Há uma dupla contingência entre ordens68, abertas ao diálogo de
princípios, conceitos e percepções jurídicas recíprocas. Negar essa característica é,
inevitavelmente, obstar a concretização da perspectiva transconstitucional.
Assim, é possível elencar como requisitos essenciais ao desenvolvimento do
diálogo multinível pelo transconstitucionalismo as seguintes bases: a) o
reconhecimento da globalização de fatores sociais e econômicos como formadores
de uma sociedade multicêntrica, que exige a construção de um direito capaz de
conferir tratamento jurídico eficaz a essa nova conjuntura; b) a admissão de modelos
jurídicos firmados na relação entre sistemas normativos abertos ao diálogo e à
alimentação recíproca, com a relativização da hierarquia e soberania na classificação
de normas; c) a identificação de problemas e tensões constitucionais comuns a
diversas ordens normativas, e a busca por soluções pelo entrelaçamento transversal
dos respectivos sistemas jurídicos, sem a sobreposição de um direito sobre o outro
e; d) o diálogo por mecanismos diversos, para além das decisões judiciais, e com o
fim precípuo de consagração plena dos direitos humanos.
Convém destacar a diferenciação entre os fins transconstitucionais e a
unificação/uniformização de normas. Enquanto os dois últimos fenômenos buscam a
prevalência de determinado direito frente a outro, seja pela substituição normativa
stricto sensu (unificação) seja pela repetição redacional de um normativo frente a
outro (uniformização), a harmonização normativa proposta pela teoria objeto deste
escrito consiste na aproximação de sistemas normativos entre si, com diferenças e
problemáticas, sem a exclusão de um perante o outro69. É na harmonização de
sistemas que repousa a heterarquia em sentido amplo, e igualmente o
transconstitucionalismo.
Diante de tais proposições, a utilização do transconstitucionalismo para
aplicação ampla e otimizada dos direitos sociais se mostra possível e necessária. A
67 LOPES FILHO, Francisco Camargo Alves; MOREIRA, Thiago Oliveira. Transconstitucionalismo,
Direito Internacional e Direito Interno: uma nova forma de enxergar a moldura jurídica de Kelsen? In:
Revista FIDES, Natal, v. 11, n. 2, p. 154-176, ago./dez. 2020. Disponível em:
http://www.revistafides.ufrn.br/index.php/br/article/view/500. Acesso em: 12 jun. 2023, p. 163.
68 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018, p. 271.
69 MARTY, Mireille Delmas. Três Desafios para um Direito Mundial. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2003, p. 112-117.
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uma, porque o escopo precípuo da teoria transconstitucional é justamente se
debruçar em questões de índole constitucional, o que na perspectiva brasileira é
amplamente difundido em sede de direitos sociais laborativos, conforme os artigos
6º e 7º da CF/88. A duas, ante a relação visceral entre garantias sociais e os direitos
humanos, temáticas que há tempos não comportam tratamento e resolução de
problemas pelo direito constitucional tradicional ou por sistemas jurídicos isolados.
Essa relação ganha robustez diante de temáticas sensíveis e que englobam a
violação frontal de garantias laborativas e concernentes aos direitos humanitários,
como se observa frente ao trabalho em escravidão, o que será abordado no próximo
tópico, como cerne deste escrito.
3.2. Aplicação do transconstitucionalismo no combate ao trabalho escravo no
brasil: um complexo normativo heterárquico de proteção ao trabalhador
O trabalho em escravidão se constitui preocupação mundial e exige tutela
normativa em diversos níveis jurídicos, na medida em que congloba fatores ligados
à liberdade, à pobreza, ao tráfico humano e ao patamar civilizatório mínimo, e
justamente por isso depende de um enfrentamento holístico oriundo de uma
pluralidade de agentes, interestatais ou alheios ao manto do Estado.
Na perspectiva brasileira, a análise dos normativos internacionais e nacionais
evidencia que, não obstante os avanços alcançados nos últimos anos, nenhum dos
sistemas (global, interamericano ou nacional) se mostra, de forma isolada, capaz de
identificar e tratar todas as variantes que envolvem a escravidão contemporânea.
O que se vê é a disposição superficial e, de certo modo, ultrapassada da
problemática pelas normas de direito internacional de âmbito global, em especial as
Convenções n. 29 e 105 da OIT, em contraponto a uma legislação nacional que, não
obstante mais coerente com o contexto atual, em muito se limita à repressão do
problema na alçada criminal, pouco expandindo seus efeitos às formas de prevenção
por órgãos públicos ou entidades não-governamentais, ou mesmo à reparação
indenizatória postulada em processos trabalhistas.
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De forma isolada, a normatização interamericana é a que se apresenta mais
eficaz e coerente com o cenário atual de combate ao trabalho escravo, haja vista
que, conforme tratado em tópico anterior, é embasada precipuamente nos termos
da CADH, que recebe interpretação ampla e enfática de resguardo ao trabalhador
nos casos postos ao exame da Corte IDH. Ainda assim, o referido sistema normativo
precisa de harmonização junto ao sistema global de direitos humanos laborativos e,
igualmente, às normas nacionais que compõem o ordenamento jurídico brasileiro,
de modo a atender as particularidades que a aludida chaga social apresenta no Brasil.
Diante disso, o que se observa é uma fundamentação jurídica multissistêmica
de direitos e garantias, cuja eficácia mostra-se substancialmente comprometida pela
ausência de diálogo transversal entre os diplomas dos diferentes sistemas jurídicos,
o que impede tanto a solução integral da questão quanto o avanço nas formas de
comunicão e integração normativa.
Essa conjuntura se agrava quando agregada ao regramento constitucional de
internalização no Brasil das normas sobre direitos humanos, em particular os
parágrafos 2º e 3º do artigo 5º da CF/88. O modelo clássico de incorporação de
tratados há tempos não atende satisfatoriamente as questões constitucionais que
transpassam fronteiras e ordenamentos estatais. O binômio ratificação/não
ratificação se desassocia gradativamente da evolução jurídica internacional, e um
exemplo eloquente dessa constatação é a própria instituição de normas de natureza
jus cogens70.
Não bastasse, a própria estruturação do direito laborativo nacional é, de certo
modo, refratária a essa visão clássica, uma vez que historicamente pauta-se na
prevalência da norma jurídica mais benéfica ao trabalhador. É certo que a aplicação
desse viés principiológico é verificado, na maioria das vezes, na perspectiva das
normatizações internalizadas formalmente no Brasil71, mas igualmente se mostra
viável à construção hermenêutica sedimentada no critério heterárquico, posto que a
lógica é idêntica: a primazia ao trabalhador. Em outras tintas, pelo princípio da
70 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018, p. 133.
71 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: Ltr, 2014, p. 45.
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norma mais favorável prepondera o conteúdo normativo que melhor atenda ao
obreiro, seja a norma formalmente incorporada ou não ao sistema jurídico pátrio.
Igualmente imperioso ressaltar o pioneirismo do direito trabalhista em favor
da construção de direitos fundamentais no âmbito internacional, demanda jurídica
decorrente da necessidade de regulamentação das relações laborativas oriundas do
mercado de serviços e mão de obra do mundo globalizado72. Portanto, a
transnacionalização de direitos e garantias não é campo desconhecido para os
direitos sociais, ao contrário, a referida seara jurídica desponta em relevância na
constrão de arcabouços jurídicos despidos de fronteiras geográficas.
Diante disso, os fins propostos pelo transconstitucionalismo se evidenciam
como um caminho plausível e promissor na busca por um complexo normativo
heterárquico voltado ao enfrentamento do trabalho escravo no Brasil. O diálogo
transversal entre as normatizações de âmbito internacional com lei nacional tem
insofismável potencial para aprimorar a eficácia jurídica em casos concretos, além
de viabilizar o progresso dos sistemas normativos envolvidos pelo intercâmbio de
aprendizado.
Um exemplo contundente disso é a conceituação de escravidão
contemporânea adotada no Brasil. Sem embargo, a tarefa impõe o diálogo entre
normatizações de diferentes níveis, uma vez que obriga o reconhecimento do dever
estatal de abolição dessa chaga social nas relações laborativas, conforme determina
a Convenção n. 105 da OIT, ao mesmo tempo que consagra o trabalho e a justiça
social como direitos inerentes à humanidade, nos moldes da DUDH e CADH, e, por
fim, reconhece as múltiplas interfaces que a problemática assume e que vão além
do labor com privação de liberdade, como dispõe a legislação criminal nacional.
Nesse ponto, tem-se a conversação de institutos de diferentes âmbitos
normativos convergindo para um fim comum, qual seja uma conceituação de
escravidão contemporânea profusa e coerente com as formas como a celeuma se
evidencia atualmente no país.
72 NETTO, Thieme Silvestri. O transconstitucionalismo para efetividade dos direitos do trabalhador.
In: Revista Justiça do Direito, [S. l.], v. 27, n. 2, p. 298-310, jul./dez. 2013. Disponível em:
https://seer.upf.br/index.php/rjd/article/view/4674. Acesso em: 12 jun. 2023.
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Há nítida conversação multissistêmica de normas voltadas a um desiderato
único e sem sobreposição de um diploma sobre outro. Difunde-se o conteúdo de cada
uma das ordens multiníveis em benefício recíproco de todas, em insofismável diálogo
normativo heterárquico.
Outro exemplo no qual essa interação jurídica transconstitucional se perfaz é
no reconhecimento pela jurisdição brasileira da imprescritibilidade do crime de
trabalho em condição análoga à escravidão. A viabilidade jurídica é possível
mediante a conversação transversal entre o teor dos dispositivos 7.1, “c” e 29 do
Estatuto de Roma, do sistema global de proteção aos direitos humanos, com o tipo
penal exposto no artigo 149 do Código Penal, integrante do arcabouço nacional.
Nesse aspecto, o benefício jurídico é substancialmente conferido ao ordenamento
jurídico brasileiro, na medida em que permite ao Judiciário Nacional o exame da
celeuma sem estigmas ou limitações temporais, em claro reconhecimento da
gravidade e do rechaço veemente que a problemática merece.
O diálogo acima tem servido de fundamento para além das decisões judiciais
brasileiras73, tendo incidência também na atividade de fiscalização, nos termos de
Nota Técnica do Ministério Público do Trabalho (Coordenadoria Nacional de
Erradicação ao Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - CONAETE)
sobre a matéria, o que confirma a utilidade da teoria transconstitucional para além
da atividade judicante em sentido estrito74.
Dessa forma, tem-se na tutela dos direitos sociais, e por consequência nas
normatizações voltadas ao enfrentamento da escravidão contemporânea, uma
possibilidade plausível e concreta de construção de pontes de comunicação entre
sistemas jurídicos multiníveis. Para além de uma possibilidade, o quadro fático acima
descrito endossa a percepção de que esse diálogo entre sistemas jurídicos pelo
transconstitucionalismo existe e deve acontecer na atividade judiciante, na
73 BRASIL. Justiça Federal. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Acórdão TRF1 - RSE 0000280-
45.1997.4.01.3901. Desembargador Federal Néviton Guedes. Diário Eletrônico da Justiça Federal da
1ª Região - eDJF1, Brasília, DF, 15 jun. 2021. Disponível em:
https://portal.trf1.jus.br/portaltrf1/publicacoes/. Acesso em: 16 dez. 2022.
74 BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho
Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONAETE). Nota Técnica Nº 02/2022 - CONAETE.
Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/noticias/nt-n-02-2022-1-2.pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
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produção de conteúdo normativo e no exercício de fiscalização e combate por órgãos
e entidades.
Por meio disso tem-se a otimização dos direitos sociais presentes nos diversos
sistemas jurídicos envolvidos na dinâmica normativa nacional, e, por consequência,
a ampliação do corpo normativo e das medidas de fiscalização voltadas ao
enfrentamento do trabalho em condição análoga à escravidão no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo central do presente escrito foi analisar a viabilidade, sob a
perspectiva da teoria do transconstitucionalismo, da construção de um complexo
jurídico-normativo heterárquico voltado ao combate do trabalho escravo no Brasil.
Em observação às características da teoria heterárquica e das normatizações
exploradas, a conclusão alcançada é a de que o objetivo proposto é possível, desde
que as balizas fundamentais da teoria transconstitucional sejam respeitadas na
persecução dessa finalidade, sendo o primordial dessa conjuntura a proposição de
diálogos transversais entre as normas dos sistemas global, interamericano e nacional
sem o intuito de sobreposição de um sistema frente a outro.
Assim, a comunicação normativa deve considerar as características e os fins
de cada um dos regramentos normativos em posição equitativa, despojando-se do
escalonamento pautado no viés hierárquico, posto que este não mais responde, de
forma isolada, à complexidade das questões jurídicas que perpassam o trabalho em
escravidão contemporânea.
A constatação de que o fim proposto é viável e benéfico ao ordenamento
jurídico nacional se perfaz em exemplos como a edificação do conceito e da
imprescritibilidade do crime de trabalho escravo. Isso se torna possível pelo diálogo
transversal entre normas dos sistemas global, interamericano e nacional, conforme
delineado em tópico próprio.
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Essa conversação entre as normatizações fornece soluções novas e eficientes
para problemas constitucionais advindos de uma sociedade mundial multicêntrica e
em constante permuta de recursos, informações e pessoas, o que resulta em um
direito mais coerente com a realidade, o que revela de forma mais contundente na
tutela de direitos sociais e, por consequência, no enfrentamento da escravidão
contemporânea, justamente por serem temáticas universais e afetas à preocupação
e responsabilidade de todas as nações que se propõem ao resguardo da dignidade
humana e dos direitos que lhe são inerentes.
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http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/181857. Acesso em: 7 jun. 2023.
UNICEF Brasil. Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Disponível em:
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso
em: 8 dez. 2022.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BEZERRA, Laís Ribeiro; MOREIRA, Thiago Oliveira; GURGEL, Yara M. Pereira. Transconstitucionalismo e o combate ao
trabalho escravo no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-40, 2023.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.148.
Laís Ribeiro Bezerra
Juíza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região. Pós-graduada em Direito
e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus (FDDJ).
Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande Do Norte -
UFRN. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2897863105911587. ORCID: https://orcid.org/0000-
0003-2868-8938. E-mail: laisribeiro_87@hotmail.com.
Thiago Oliveira Moreira
Professor Adjunto IV da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Graduação e
Mestrado). Doutor e Mestre em Direito pela Universidade do País Basco (UPV/EHU). Mestre
em Direito pela UFRN. Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra. Coordenador
do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRN. Vice-Chefe do Departamento de Direito
Privado da UFRN. Membro do Conselho Nacional da Academia Brasileira de Direito
Internacional (ABDI). Professor/Pesquisador Visitante da Universidade Lusófona do Porto
(2022). Líder do Grupo de Pesquisa Direito Internacional dos Direitos Humanos e as Pessoas
em Situação de Vulnerabilidade (CNPq/UFRN). Integrante do Grupo de Pesquisa
Observatório de Direito Internacional do Rio Grande do Norte (OBDI/UFRN). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8030681636075210. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6010-
976X. E-mail: thiago.moreira@ufrn.br.
Yara Maria Pereira Gurgel
Pós Doutora em Direitos Fundamentais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
(2019). Doutora (2007) e Mestre (2000) em Direito das Relações Sociais (Subárea Direito do
Trabalho) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Graduação em
Direito pela UFRN (1997). Atualmente é Professora Associada III, com Dedicação Exclusiva,
junto a UFRN, exercendo atividade nos cursos de graduação e Pós-graduação em Direito da
UFRN. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, Direito
do Trabalho e Direitos Humanos. Advogada. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8686260157736966. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4012-
9995. E-mail: ygurgel@uol.com.br.