Violência e trabalho: apontamentos jurídicos para a efetividade de uma ética civilizatória



Violence and labour: legal notes for the effectiveness of a civilizing ethics

Violencia y trabajo: apuntes jurídicos para eficacia de una ética civilizatoria


Aldacy Rachid Coutinho

União Educacional de Cascavel (UNIVEL) Universidad de San Carlos de Guatemala

Faculdade Damas Lattes: http://lattes.cnpq.br/5421799427837446 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0334-3346


RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar o conceito de violência na sua relação com o trabalho e o ambiente de trabalho, a partir dos documentos da Organização Internacional do Trabalho. Ao estabelecer uma distinção entre poder e violência, indica-se que se o poder é inerente à relação de trabalho, a violência é uma prática a ser combatida. A violência e outras de suas variadas formas de explicitação como assédio, discriminação e bullyng já estão reguladas, encontrado nos marcos jurídicos as condições para a efetividade da implementação de uma ética civilizatória por medidas repressoras e preventivas, para além da necessária promoção de conscientização para afastar a normalização da sua ocorrência.


PALAVRAS-CHAVE: Trabalho. Violência. Assédio.


ABSTRACT

This article aims to analyze the concept of violence in its relation to work and the work environment, based on the documents of the International Labor Organization. By establishing a distinction between power and violence, it is indicated that if power is inherent in the work relationship, violence is a practice to be fought. Violence and other of its various forms of explicitness such as harassment, discrimination and bullying are already regulated, found in the legal frameworks the conditions for the effectiveness of the implementation of a civilizing ethics by repressive and preventive measures, in addition to the necessary promotion of awareness to ward off the normalization of its occurrence.


KEYWORDS: Labour. Violence. Harassment.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar el concepto de violencia en su relación con el trabajo y el ambiente laboral, a partir de los documentos de la Organización Internacional del Trabajo. Al establecer una distinción entre poder y violencia, se indica que si el poder es inherente a la relación de trabajo, la violencia es una práctica a combatir. La violencia y otras de sus diversas formas de explicitud como el acoso, la discriminación y el bullying

Recebido em: 15/12/2022 Aprovado em: 21/12/2022


ya están reguladas, encontrándose en los marcos legales las condiciones para la efectividad de la implementación de una ética civilizatoria mediante medidas represivas y preventivas, además de la necesaria promoción de la conciencia para evitar la normalización de su ocurrencia.


PALABRAS CLAVE: Trabajo. Violencia. Acoso.


O que vigora hoje, no Brasil, é uma razão cínica. [...] Torpedeada a lei, é todo um universo simbólico que

desmorona. [...] Todos deixaram de levar em conta a lei. [...]

Ora, o que é a lei senão esta convenção sem a qual não podemos sobreviver à desordem da natureza? A aniquilação da lei é, então, um ato suicida.

Jurandir Costa Freire1


INTRODUÇÃO


Toda e qualquer violência perpetrada no mundo do trabalho afeta a pessoa trabalhadora, mas se expande ainda para todo o espectro do seu viver. Assim, ao deixar o ambiente de trabalho, passando a circular pelo meio social, a pessoa não se destitui da identidade e da subjetividade que a constitui, isto é, do seu ser e, portanto, carrega no corpo e na alma a presentificação do trabalho e com ela seguem todas as mazelas que eventualmente tenha sido vítima. As consequências do que se passa no mundo do trabalho, para o bem e para o mal, serão sentidas nos mais restritos ambientes familiares ou nos mais amplos espaços sociais. Heloani e Barreto, ao refletir sobre o assédio moral no ambiente de trabalho, indagam sobre a razão de ainda se encontrar presente como realidade no ambiente de trabalho, se apresentando cada mais intensamente e de modo quantitativamente ampliado, não obstante o avanço do processo civilizador: “nos últimos anos temos observado que o assédio laboral tem alcançado tamanha magnitude em nosso país que parece se alastrar pelo tecido social como uma praga, a ponto de alguns estudiosos se referirem


1 COSTA, Jurandir Freire. A ética e o espelho da cultura. Rio de Janeiro : Rocco, 1994, p. 11.


a esse mal social como a ‘epidemia do novo século’ e até mesmo como ‘câncer do mercado de trabalho’”.2

A pergunta que subjaz – e a todos move, então - como base de uma teoria crítica do direito é: o que podemos fazer no mundo como juristas diante dos desafios que nos são apresentados? Ou melhor, como podemos melhorar o mundo do trabalho e a vida das pessoas, ainda que não seja possível consertá-la ou imunizá-la de todo malefício. Múltiplas podem ser as respostas; somente uma não se sustenta: o dito pelo silêncio da indiferença. Não por outra razão, analisar a violência e o trabalho é imprescindível.

A resposta não se traduz em uma solução. É certo que o próprio direito é de certo modo, pela coerção, também uma forma de violência e de discriminação. Como alerta Viana, “há pelo menos dois modos de discriminar. Pode-se discriminar ferindo regras, mas também com as próprias regras.: [...] O primeiro tipo de discriminação é visível. Choca nas nossas consciências. É reprimido. O outro, por ser inerente ao jugo, passa despercebido.”3 De toda sorte, será exatamente pelo direito, ao angariar algum conhecimento da dogmática jurídica e migrar aportes e inquietudes dos campos da filosofia e da política, que será possível instrumentalizar o saber e encetar uma ação transformadora. Não revolucionária, mas ao menos reformista. Não há neutralidade, pois estamos sempre implicados na realidade que nos cerca e determinados pelas experiências vividas. No campo dos variados modelos normativos, o conhecimento sobre o direito nos permite ampliar o leque com novas interpretações no processo hermenêutico e, assim, abrir as portas para ulteriores possibilidades.

É certo, ainda, que o próprio trabalho, em uma ambivalência que lhe é inerente, danifica e dignifica o homem. A constatação de que sempre haverá alguma potencialidade de violência em um mundo do trabalho que se perfaz no sistema


2 HELOANI, Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio moral: gestão por humilhação. Curitiba : Juruá, 2018, p. 23.

3 VIANA, Márcio Túlio. Os dois modos de discriminar: velhos e novos enfoques. RENAULT, Luiz Otávio Linhares; VIANA, Márcio Túlio; CANTELLI, Paula Oliveira (orgs). Discriminação. 2.ed. São Paulo : LTr, 2010, p. 143.


capitalista não monopolista de mercado, quer por aportes de normalização com a aceitação da submissão a um poder empregatício, quer pela extração da mais-valia como condição de retorno do capital produtivo investido, não torna a violência naturalizada e imune a críticas, devendo ser combatida.

A primordial proposta é combater o perigo da banalização, dando espaço para voz e visibilidade para as condutas. A perspectiva pode incluir a adoção de códigos de conduta voluntários e, ainda, alguns mecanismos de certificação e acreditação para delinear e incentivar boas práticas no campo das relações de trabalho que se realizem em todos os ambientes dentro das cadeias de valor. Podem apontar para criação de canais de denúncia para sejam apontadas situações de violência perpetradas. Podem ser sustentar processos de governança corporativos que materializem os ditames constitucionais e infra-legais, rejeitando a tomada de decisões guiadas tão só pelos interesses egoísticos e privados dos detentores do capital.

Afinal, a violência relacionada ao trabalho enceta uma forma de privação de direitos, viola princípios fundamentais, desrespeita a dignidade da pessoa e, negligenciando a condição humana, barra manifestações de empatia e solidariedade diante de algum infortúnio, tal como o efeito do adoecimento. O direito se apresenta como um limite ao poder; afinal, quem tem poder não precisa de direitos, mas quem não o detém tem exatamente nos direitos uma perspectiva de limite ao poder. O direito, então, também pode ser um canal para responsabilizar atos de violência, como o é para práticas discriminatórias e condutas assediadoras.

Violência e poder não se confundem. Para Weber, poder é a “probabilidade de uma pessoa ou várias impor, numa ação social, a vontade própria, mesmo contra a oposição de outros participantes desta”;4 ocorre que tal posição deixa a descoberto situações em que alguém se submete ao poder sem oposição, por exemplo para conquista de um benefício ou por condicionamento. Poder, então, no sentido weberiano mais se aproximaria do núcleo da violência, pela imposição com oposição. Mais preciso seria afirmar que poder se manifesta como a possibilidade de fazer com


4 WEBER, Max. Economia e sociedade. São Paulo : Editora UNB, 2004, v.2, p. 175.


que o outro faça o que você quer que ele faça, sem o emprego da violência. Onde há poder não há violência. Onde há violência há pressão, ameaça, coerção, coação, imposição; de mais variada ordem: moral, psicológica, econômica, física, sexual, social, cultural. Institucional ou simbólica. Com a violência se perpetra uma captura da subjetividade, se aniquila a autoestima, se degrada o ambiente de trabalho. No processo de extração da mais-valia, há indubitavelmente uma reificação do trabalhador e alienação do trabalho; a juridicização da relação adentra pela via do poder e não da violência.

Narrar a violência é desde logo uma manifestação de inconformismo e ao mesmo tempo uma ação de luta. Optamos pela normatividade da Organização Internacional do Trabalho, agasalhada como peça chave de compreensão da questão e enfrentamento dos desafios, em um comprometimento com a agenda do trabalho decente, diante da adoção de normas básicas, gerais e de caráter público, com elaboração e discussão tripartite, para analisar a violência no mundo do trabalho.


  1. Violência e (é) trabalho


    Já de início convém esclarecer que no mundo do trabalho transita poder, mas não há espaço para violência; é imperioso ressaltar que se constata por vezes a violência mascarada como manifestações de poder principalmente como opções de gestão, tanto no ambiente de trabalho quanto a relacionada ao próprio desempenho do trabalho em si considerado.

    Violência vem definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS)5 como o uso intencional de (i) força física ou (ii) poder, ameaçados ou reais, contra si mesmo, contra outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resultem ou tenham grande probabilidade de resultar em dano (material, físico ou patrimonial; imaterial, existencial ou psicológico) ou potencialidade de dano, prejuízo, doença, lesão ou



    5 ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Informe mundial sobre la violência y la salud. Ginebra. Disponível em:

    https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/67411/a77102_spa.pdf?sequence=1. Acesso em: 10 dez. 2022.


    morte. Ela pode ser identificada, na concretude material ou no campo do simbólico, por uma atitude ou pelo efeito de uma ação. Reiteramos: a violência e o poder não se confundem; violência não é poder. Entendemos como equivocada a menção ao "uso do poder".

    A mera inclusão, na noção conceitual acolhida pela OMS ao explicitar a violência do emprego da “força física”, por outro lado, é correta e inclusive expande a compreensão convencional do trabalho decente. Não por outra razão, inclusive, acaba por transcender uma concepção equivocada e extremamente restritiva de que se situaria no âmbito da medicina e segurança do trabalho, que tradicionalmente se relacionava com aspectos vinculados a agentes químicos, físicos, biológicos. A organização, a gestão, o modo ou a intensidade do trabalho podem ainda desvelar situações com potencialidade danosa em manifestações de violência real ou simbólica, pelo que qualquer abordagem no trânsito da medicina e segurança do trabalho é insuficiente e reducionista de sentido.

    Ademais, nota-se que sobretudo a partir da década de 80 a violência no trabalho passa a ter mais visibilidade como fenômeno diante de novas formas de restruturação da produção, flexibilidade e externalização do processo produtivo, fragmentação das relações jurídicas. Mais recentemente ainda, já em tempos pandêmicos, o crescimento do adoecimento demanda maior atenção enquanto risco para a saúde mental dos trabalhadores. A temática é extremamente atual e o enfrentamento particularmente emergencial, o que levou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em razão de seus princípios, conforme Declaração da Filadélfia6, se dedicar a enfrentar como pauta.

    Na OIT, o documento base para a questão da violência no mundo do trabalho é o Relatório V (1): Acabar com a violência e o assédio contra mulheres e homens no mundo do trabalho, da Conferência Internacional do Trabalho (OIT), 107ª sessão, de


    6 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração da Filadélfia. Constituição da OIT. 1944. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/genericdocument/wcms_336957.pdf. Acesso em: 10 dez. 2022.


    2018.7 Ele foi preparado para um debate em uma Reunião de Peritos sobre a violência contra as mulheres e os homens no mundo do trabalho, com caráter tripartite. Nele vêm delineados o âmbito, as definições, a prevalência, o impacto da violência e do assédio no mundo do trabalho e, ainda, são indicados alguns procedimentos adotados, tanto em nível internacional, quanto no âmbito regional e nacional. Esta reunião de peritos ocorreu no ano de 2016, entre 3 e 6 de outubro, tendo produzido como resultado um conjunto de conclusões8, cuja publicação e divulgação acabaram sendo autorizadas a posteriori pelo Conselho de Administração, na sua 328ª sessão. Mister ressaltar, dentre tantas, e pela importância, uma proposta para substituir o termo violência pelo binômio “violência e assédio", com o escopo de garantir uma melhor abordagem dos distintos comportamentos tidos como inaceitáveis.9 Mais recentemente, são publicadas a Recomendação 206, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho em sua 108ª sessão10, a Convenção 19011 e um relatório sobre ambientes de trabalho seguros e saudáveis livres de violência e de assédio.12



    7 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência Internacional do Trabalho. Relatório V: Acabar com a violência e o assédio contra mulheres e homens no mundo do trabalho. Genebra. 107ª sessão. 2018. Disponível em: https://www.ilo.org/ilc/ILCSessions/previous-sessions/107/reports/reports-to-the-conference/WCMS_630695/lang--en/index.htm. Acesso em: 10 dez. 2022.

    8 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Oficina internacional del trabajo. Departamento de condiciones de trabajo e igualdad. Documento de base para el debate de la Reunión de expertos sobre la violência contra las mujeres y los hombres en el mundo del trabajo. Genebra. 3-6 out. 2016. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---gender/documents/meetingdocument/wcms_524929.pdf. Acesso em: 10 dez. 2022.

    9 Parágrafo 12 e Anexo I, parágrafo 33. INTERNACIONAL LABOUR OFFICE. Report of the Director-General. Fifth Supplementary Report: Outcome of the Meeting of Experts on Violence against Women and Men in the World of Work. Geneva. 328 session. 27 out – 10 nov. 2016. Appendix I. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocument/wcms_533534.pdf. Acesso em: 10 dez. 2022.

    10 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência internacional do trabalho. Recomendação 206. Genebra. 108ª sessão. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocument/wcms_711575.pdf. Acesso em: 10 dez. 2022.

    11 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 190 sobre eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. Genebra. 108ª sessão. 2019. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/genericdocument/wcms_729459.pdf. Acesso em: 10 dez.2022.

    12 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ambientes de trabalho seguros e saudáveis livres de violência e de assédio. Relatório. Genebra. 2020. Disponível em: < https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/publication/wcms_783092.pdf>. Acesso em: 10dez.2022.


    O reconhecimento da centralidade do trabalho na sociedade e identificação de uma relação de poder como ínsita à relação de trabalho, impele a que se estabeleçam “responsabilidades claras para os empregadores nos setores público e privado, os trabalhadores e as suas respetivas organizações e os governos, e que proporcione estratégias conjuntas e modalidades de colaboração”13 no tocante às práticas de violência, para coibi-la.

    Para precisar o sentido da violência devemos ter em mente que não se deve defini-la pelos efeitos, senão vislumbrar o que, em determinada atitude, comportamento ou ação (violência em ato) ou ameaça de (ameaça de violência) pode externalizar tal significado; de todo modo, há sempre algo de negativo, prejudicial, a ser evitado e que está relacionado com as consequências. A violência diz respeito ao proceder com alguma forma de agressão, que gera uma reação danosa ou tem a potencialidade ou risco de ocorrer: "a violência e o assédio no mundo do trabalho deveriam ser abordados como parte de um contínuo de comportamentos e práticas inaceitáveis que podem ser traduzidos em sofrimento ou danos físicos, psicológicos ou sexuais”. 14

    É extremamente importante tal indicação, na medida em que por questões de ordem subjetiva ou individuais, as reações ou impactos de determinado modo de se conduzir podem ser diferentes para cada pessoa. Mas o ato continua sendo violento. A identificação da violência pela diferença nos leva a distinguir a ação com a do assédio e da discriminação. Uma prática discriminatória é uma separação que atinge e aniquila a igualdade de oportunidades no trabalho, nos termos da Convenção 111


    13 Anexo I, parágrafos 16-29, Capítulo 8. INTERNACIONAL LABOUR OFFICE. Report of the Director-General. Fifth Supplementary Report: Outcome of the Meeting of Experts on Violence against Women and Men in the World of Work. Geneva. 328 session. 27 out – 10 nov. 2016. Appendix I. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocument/wcms_533534.pdf. Acesso em: 10 dez. 2022.

    14 INTERNACIONAL LABOUR OFFICE. Report of the Director-General. Fifth Supplementary Report: Outcome of the Meeting of Experts on Violence against Women and Men in the World of Work. Geneva. 328 session. 27 out – 10 nov. 2016. Appendix I, paragrafh 3. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocument/wcms_533534.pdf. Acesso em: 10 dez. 2022.


    da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada na 42ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho15. É, conforme art. 1º, 1:

    1. toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;

    2. qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.


      Discriminar, então, consiste:

      [...] em qualquer atitude [...] no sentido de impedir a aquisição e/ou continuidade regular de dada relação de emprego com determinado trabalhador [isto é] é negar ao trabalhador a igualdade necessária que ele deve ter em matéria de aquisição e manutenção do emprego, pela criação de desigualdades entre as pessoas.”16


      O assédio é também uma forma de violência, mas caracterizada pelo comportamento reprovável e abusivo, repetitivo e prolongado, por meio de palavras, atos, gestos ou escritos, que tenham uma finalidade de obter vantagem sexual (assédio sexual) ou destruir a autoestima, desestabilizando emocionalmente, com acusações, gritos, insultos, humilhações (assédio moral). O assédio moral, portanto, é:


      [...] toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade, ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”17 [...];



      15 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 111 sobre Discriminação em matéria de emprego e ocupação. Aprovada da 42ª. Reunião, Genebra. 1958. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235325/lang--pt/index.htm. Acesso em: 10dez.2022.

      16 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Discriminação no trabalho. São Paulo : LTr, 2002, p.43.

      17 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2002, p. 65.


      [...] de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras [...].18


      Pode ser vertical, praticado em níveis de hierarquia por ascendente ao subordinado ou do subordinado ao superior hierárquico; pode ser horizontal quando entre colegas sem distinção hierárquica.

      Nas situações em que a conduta não seja reiterada, mas se perfaz como uma situação que, se não fosse um ato único seria certamente identificado como sendo assédio moral, o enquadramento acaba vindo pela moldura do dano moral: “agressão moral e pontual, ainda que única, atinge a dignidade do indivíduo. É aberta, direta e identificável. Ela pode até ensejar uma indenização por danos morais. Mas não se confunde com a prática do assédio moral”.19 Danos precisam ser provados, situação que dificulta enormemente uma responsabilização. E, agregue-se, ainda, a intencionalidade elencada como um elemento necessário da tipificação de assédio, que, da mesma forma, acaba sendo uma barreira para imputação do ato ao assediador.

      A violência, para caracterização, não depende de uma reiteração; enquanto gênero, já vinha definida como “qualquer ação, incidente ou comportamento que se desvia de uma conduta razoável, mediante a qual uma pessoa é agredida, ameaçada, humilhada ou lesionada por outra no exercício da sua atividade profissional ou como consequência da mesma”.20

      Com o novo documento da OIT que trata de “Violência e assédio”, optou-se por uma noção conceitual mais ampla, abrangente e aberta, como sendo “um


      18 NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio moral e dano moral no trabalho. 3.ed. São Paulo: LTr, 2015,

      p. 29-30.

      19 NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio moral e dano moral no trabalho. 3.ed. São Paulo: LTr, 2015,

      p. 31.

      20 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Repertório de Recomendações Práticas sobre a violência no local de trabalho no setor dos serviços e medidas para a combater este fenómeno. Genebra, 2004. Apud ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência Internacional do Trabalho. Relatório V: Acabar com a violência e o assédio contra mulheres e homens no mundo do trabalho. Genebra. 107ª sessão. 2018. Disponível em: https://www.ilo.org/ilc/ILCSessions/previous-sessions/107/reports/reports-to-the-conference/WCMS_630695/lang--en/index.htm. Acesso em: 10 dez. 2022.


      contínuo de comportamentos e práticas inaceitáveis que vão provavelmente resultar em sofrimento ou danos físicos, psicológicos ou sexuais”, o que permite incorporar as diferentes formas de violência e assédio, em distintos contextos.21

      Imperioso salientar, então, que a inclusão no conceito da probabilidade de resultar em sofrimento incorpora o risco como suficiente, subtraindo o dano como um condicionante não raras vezes de difícil prova. Ademais, com a potencialidade sendo suficiente, mantém a caracterização da violência independentemente de aspectos subjetivos e pessoais da estrutura da personalidade de cada trabalhador, que responde diferentemente em termos de sofrimento. O que para alguns é indiferente para outros é gerador de imenso sofrimento. Porém em ambas as situações uma mesma conduta estará delimitada como violência. Retira-se o filtro da vítima em termos de danos concretos, para fixar-se na conduta do agente que tem o risco, potencial, de causar dano de variada ordem (moral, físico, psicológico) ou sofrimento.

      Acrescente-se que a violência, por exemplo, ao contrário do conceito mais preciso de assédio no mundo do trabalho, não demanda um prolongar no tempo, com práticas reiteradas de conduta. E, ademais, retira além da intencionalidade de uma ação prejudicial, igualmente a obrigatoriedade da identificação de um dano. Situações como as que na contemporaneidade de apresentam como violentas, podem decorrer simplesmente da incorporação da tecnologia da informação, por exemplo.

      Qualquer pessoa pode praticar violência. E não estará caracterizada apenas se ocorrer no local de trabalho presencial, mas igualmente no trabalho remoto. Tampouco ficará adstrita ao tempo de cumprimento da jornada de trabalho; podemos identificar uma situação de violência durante um evento de confraternização na empresa, fora da jornada, em situação de não exercício das funções contratadas. Por conseguinte, estará igualmente presente se ocorrer


      21 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência Internacional do Trabalho. Relatório V: Acabar com a violência e o assédio contra mulheres e homens no mundo do trabalho. Genebra. 107ª sessão. 2018. Disponível em: https://www.ilo.org/ilc/ILCSessions/previous-sessions/107/reports/reports-to-the-conference/WCMS_630695/lang--en/index.htm. Acesso em: 10 dez. 2022.


      internamente na organização em decorrência de comportamentos de empregadores e seus prepostos, empregados ou outros trabalhadores como temporários, estagiários, aprendizes, terceirizados; ou externamente em razão da ação de fornecedores, clientes, consultores ou auditores, dentre outros.

      A violência, inclusive na forma de assédio, pode ser de variada ordem. Será organizacional se apresentar-se nas formas de gestão de pessoas, tendo como consequência, dentre outras, a rotatividade de mão de obra ou a diminuição da produtividade.

      O assédio pode resultar de ameaças ou agressões físicas, verbais ou sexuais. Sempre acarreta a deterioração do ambiente de trabalho, com violação de direitos humanos, valores e princípios constitucionais como atentado contra a dignidade. As situações que caracterizam o assédio são meramente exemplificativas: ironias, isolamento, humilhação, silenciamentos, medo, punições arbitrárias, falsas imputações, exigências de tarefas impossíveis, proibições indevidas (como limitações ao uso do banheiro).

      Em se tratando de condições de trabalho, a violência se revela pela presença de trabalho exaustivo ou penoso. A faceta moral estará identificada nas situações em que afetem a honra, a dignidade, por meio de injúrias, calúnias. A conduta de intimidação, manipulação, pressão gera violência psicológica. Mas a violência transita ainda pela via econômica ou patrimonial, de gênero, orientação religiosa ou, simbólica.


  2. Apontamentos jurídicos para a efetividade do combate à violência


    As causas em geral resultam de fatores culturais, embora possam decorrer de razões meramente econômicas, da busca de lucro e produtividade e emocionais. A resposta em termos de estratégia de prevenção e repressão, no entanto, foge do âmbito estritamente cultural. A conscientização, mediante informação, contribui para uma mudança da cultura corporativa, por certo. Porém, é com o objetivo de assegurar a responsabilização que o direito busca enquadrar a conduta como crime, ato ilícito ou descumprimento faltoso do contrato de trabalho. Não é um indiferente


    jurídico e neste trilhar o documento da OIT sobre violência no ambiente de trabalho tem garantia de eficácia e efetividade dentro dos marcos regulatórios nacionais. Algumas respostas que o direito regulamenta apontam para medidas quer de responsabilização/repressão, quer de combate/prevenção. As respostas punitivistas se encontram em medidas penais, com tipificação de crimes e em medidas de responsabilidade civil para indenizações. Ambas visam objetivos de prevenção geral e especial, indiretamente.

    Várias condutas de violência no ambiente de trabalho e no trabalho são tipificadas como crime pelo Código Penal Brasileiro. Será atentado contra a liberdade de trabalho (art. 197) se dirigido ao exercício do labor, para impor a sua execução ou vedar o desempenho de trabalho, inclusive com o fechamento do estabelecimento. Será atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta (art. 198), em se tratando de celebração de contrato ou fornecimento de matéria prima. Será atentado contra a liberdade de associação (art. 199) se dirigido à participação em sindicato ou associação. Será paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem (art. 200) se a ação acarretar prática de violência contra pessoa ou coisa quando a participação de suspensão ou abandono coletivo de trabalho. Será paralisação de trabalho de interesse coletivo (art. 201), se na suspensão ou abandono coletivo de trabalho houver interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo. Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola e sabotagem (art. 202), com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor, será crime. Fraudar direitos trabalhista assegurados por lei é igualmente crime (art. 203). Por fim, aliciamento para emigração (art. 206), de um local para outro em território nacional (art. 207), e tráfico de pessoas para submetê-las a trabalho em condições análogas à de escravo (art. 149-A).

    Encontra-se criminalizado o trabalho realizado em condição análoga a de escravo, por trabalhos forçados ou jornada exaustiva, condições degradantes (art. 149).


    O assédio sexual foi incorporado ao texto do Código Penal pelo art. 216-A, tipificando a conduta de “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.”, com uma pena de detenção prevista para 1 (um) a 2 (dois) anos, com aumento de um terço se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos. Da descrição do crime se infere que assédio se materializa pela intencionalidade (obter vantagem ou favorecimento) e pelo constrangimento, que nada mais é do que a violência que subtrai a liberdade de ação de alguém. No assédio sexual o elemento da repetição ou reiteração não se encontra presente na descrição do tipo penal.

    Talvez mais efetivas, e com certeza mais eficientes por evitarem a perpetração da violência, medidas preventivas devem e podem ser adotadas não só no ambiente laboral pelos empregadores/tomadores de serviço, mas por representantes dos trabalhadores, poder público, além de outras instituições com participação na sociedade, como escolas e clubes. Sendo um fenômeno social, com expressão cultural, as soluções não podem se limitar ao ambiente de trabalho.

    O processo não pode afastar da realidade econômico-social no qual ele se insere. A mais eficaz resposta processual vem da viabilidade de postular uma tutela inibitória coletiva de natureza preventiva ou de uma tutela reparatória, responsabilizadora, que poderá ser individual. A legitimidade manifesta a emergência da atuação dos sindicatos e do Ministério Público do Trabalho.

    Dentre os objetivos fundamentais da República, previstos na Constituição da República de 1988, está a promoção do bem de todos, sem qualquer discriminação (art. 3º, inc. IV). Em seu art. 7º, ao listar os direitos fundamentais sociais dos trabalhadores, mais precisamente no inciso XXXI, consta a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão de pessoas trabalhadoras com deficiência.

    A Lei n.13.185, de 6 de novembro de 2015, ao instituir o Programa de Combate à intimidação sistemática, isto é, prática de bullying, em seu art. 2º, exprime que se trata de uma situação de “violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação”, dentre outros. Para combate os entes federados


    podem firmar convênios e estabelecer parcerias, os estabelecimentos de ensino, clubes e agremiações podem promover medidas de conscientização, sempre com o objetivo de privilegiar a mudança do comportamento hostil e assegurar a cultura da paz, nos termos da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas22 e tolerância mútua.

    A violência prescinde do dano, o que não ocorre nos termos do Código Civil, em seus arts.186, em relação ao cometimento ato ilícito por aquele que por ação ou omissão voluntária causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. Mas na vertente da teoria do abuso de direito, o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, igualmente se enquadra na tipologia do ato ilícito. Ambas as situações demandam responsabilidade civil, de natureza reparatória, consoante prevê o art. 927, do Código Civil, independentemente de culpa ou se a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, pela natureza, risco para os direitos de outrem. Não custa lembrar que o empregador assume os riscos da atividade produtiva, como reconhecido pela legislação trabalhista, Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 2º.

    A própria legislação trabalhista, em um processo hermenêutico construtivo, como se depreende do art. 483, da Consolidação das Leis do Trabalho, elenca hipóteses de falta grave do empregador que permitem ao trabalhador considerar como rescindido o contrato, pleiteando uma indenização; na descrição é possível vislumbrar situações que revelam práticas de violência, a saber, dentre outras, por assédio moral, quando:

    1. forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

    2. for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo [...]

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; [...]

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.


22 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Transformando nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em: 10 dez. 2022.


Ou assédio sexual, porquanto pode “c) correr perigo manifesto de mal considerável”. Ou violência física, se “f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem.”

A adoção de programas de compliance e integridade, por meio de códigos de conduta, com canais de denúncia e procedimentos de investigação interno ou externo, é uma manifestação de comprometimento com boas práticas de gestão. Além disso, sustenta a conformidade com toda a normativa vigente.

Por meio de um controle de convencionalidade é possível verificar, nos marcos legais vigentes, a compatibilidade com as normas internacionais, tais como Convenções da Organização Internacional do Trabalho ou Convenção Americana de Direitos Humanos, além de outros tratados de que o Brasil seja parte, acarretando a supressão de efeitos jurídicos dos atos normativos nacionais violadores ou ofensivos, garantindo-se a integridade e eficácia da regulação internacional.

A pauta de conscientização pelas empresas garante visibilidade e cessa um processo nefasto de naturalização, ou seja, viabiliza a prevenção e o combate. Conscientizar enseja o emprego da própria racionalidade econômica que sustenta práticas assediadoras adotadas pelas empresas, que podem se beneficiar dos impactos econômicos positivos. Há um custo negativo suportado no emprego da violência no ambiente de trabalho; dentre tantos, aponta-se para o custo da rotatividade dos trabalhadores com a necessidade de treinamento de novos contratados ou o custo de gestão decorrente da necessidade de inserir o trabalhador em reabilitação, tratamento e posteriormente assegurar transferência de função. Agregue-se o custo financeiro da diminuição da produtividade, o absenteísmo pelo adoecimento, o custo de uma demanda trabalhista, o impacto na imagem e marca da empresa que acarreta impacto na reputação no mercado competitivo. Para o Estado, como indicado no relatório da OIT, "traduzem-se em maiores despesas em subsídios de doença”23.



23 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência Internacional do Trabalho. Relatório V: Acabar com a violência e o assédio contra mulheres e homens no mundo do trabalho. Genebra. 107ª sessão. 2018. Disponível em: https://www.ilo.org/ilc/ILCSessions/previous-


CONSIDERAÇÕES FINAIS


O mundo tem se notabilizado pelo avanço da violência, própria da bárbarie. Não se trata de invocar movimentos moralistas, mas de repensar sobre a necessidade de pautarmos o futuro a partir de um princípio civilizatório de uma ética da responsabilidade para com nossos semelhantes, hoje e no porvir.

Concordo com a hipótese levantada por Heloani e Barreto, no sentido de que a explicação para mazelas e flagelos que envolvem o mundo do trabalho está ligado aos valores:


[...] princípios que conduzem nossas vidas. Nossa sociedade atualmente não só flexibiliza a produção e os serviços como também acaba por flexibilizar os valores morais, ou seja, aqueles valores fundamentais e inalienáveis que nos tornam efetivamente civilizados. [...] cada vez ais o que era sagrado se torna profano, enquanto o que era profano se torna sagrado, de acordo com uma lógica perversa que inverte e permite que se utilize qualquer meio para que se obtenha o sucesso a qualquer custo.24


Trata-se, então, que rejeitar a episteme que molda nossos comportamentos e ações. Há um custo da violência assumida por toda a sociedade:


Os custos econômicos e sociais da violência são um fardo para todos os membros da sociedade. No contexto da deterioração macroeconômica - com o aumento da inflação, desemprego e déficit fiscal - e a preocupação pública com a relação entre insegurança econômica, crime e violência, é importante entender esses custos -tanto diretos como indiretos - em vários níveis.25


sessions/107/reports/reports-to-the-conference/WCMS_630695/lang--en/index.htm. Acesso em: 10 dez. 2022.

24 HELOANI, Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio moral: gestão por humilhação. Curitiba : Juruá, 2018, p. 23.

25 Tradução livre de: “The economic and social costs of violence are a burden for all members of society. In the context of macroeconomic deterioration-with rising inflation, unemployment, and fiscal deficits-and public concern about the relationship between economic insecurity, crime, and violence, it is important to understand these costs-both direct and indirect-on various levels” (MOSER C, Shrader EA. Conceptual framework for violence reduction. Washington, DC, The Word Bank, Latin America and Caribbean Region, Environmentally and Socially Sustainable Development SMU, 1999 Aug. LCR Sustainable Development Working Paper n. 2. Urban Peace Program Series. [Cited 2002 Aug 10]. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/774791468782146689/pdf/multi-page.pdf. Acesso em: 10 dez. 2022.)


Enfrentar a violência é uma demanda da ética da civilidade. No direito, particularmente, deve-se retomar a racionalidade jurídica da legalidade que acabou sendo substituída pela racionalidade econômica da eficiência. Como eficiência dominou o pensamento e as condutas, a lógica dos custos imperou e, com ela, uma abordagem que extrapola o ambiente e o mundo do trabalho, para abraçar todas as decisões da vida filtradas pela assertiva de que os fins justificam os meios. E na busca pelo sucesso, maximização dos resultados, lucros, o homem e seus desejos deixam de ser um fim em si mesmo, passando a ser apenas um meio, fator de produção e integrante de uma organização, como uma espécie de “capital humano”. Combater a violência é dar voz, assegurar visibilidade, mas principalmente retomar essa humanidade por uma outra ética. A do outro, como semelhante, para pautar condutas de solidariedade.


REFERÊNCIAS


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COSTA, Jurandir Freire. A ética e o espelho da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.


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MOSER C, Shrader EA. Conceptual framework for violence reduction. Washington, DC, The Word Bank, Latin America and Caribbean Region, Environmentally and Socially Sustainable Development SMU, 1999 Aug. LCR Sustainable Development Working Paper n. 2. Urban Peace Program Series. [Cited 2002 Aug 10]. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/774791468782146689/pdf/mu lti-page.pdf. Acesso em: 10 dez. 2022.


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WEBER, Max. Economia e sociedade. São Paulo : Editora UNB, 2004, v.2.


Aldacy Rachid Coutinho

Pesquisadora e Professora do Corpo Docente permanente do Curso de Mestrado em Direito, Inovação e Regulações da União Educacional de Cascavel (UNIVEL) e do Programa de Doctorado en derecho del trabajo, previsión social y derechos humanos da Universidad de San Carlos de Guatemala. Professora Colaboradora no Curso de Mestrado em História do Pensamento Jurídico da Faculdade Damas. Professora Titular aposentada de Direito do Trabalho na Universidade Federal do Paraná. Integra a Rede Nacional de Grupos de Pesquisas e Estudos em Direito do Trabalho e da Seguridade Social - RENAPEDTS, a Rede Brasil-Itália-Espanha de Direito Público -REDBRITES e a Red Interuniversitaria Latinoamericana y del Caribe sobre Discapacidad y Derechos Humanos. Participa dos Grupos de Pesquisa Direito e Regulação (UNIVEL), Trabalho Vivo e Redbrites. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5421799427837446. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0334-3346. E-mail: aldacycoutinho@gmail.com.