A evolução do conflito dos estivadores
portuários na Espanha
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La evolución del conflicto de estibadores portuarios en España
The evolution of the conflict of dockworkers in Spain
Antonio Ojeda Avilés²
RESUMO
O artigo trata da questão do trabalho portuário na Espanha, demonstrando os caminhos pelos
quais tomaram rumo o conflito entre empregados e empregadores, potencializado, neste setor,
pela interferência realizada pelo Estado, e, indiretamente, pela Comunidade Europeia. Por meio
de uma análise crítica e de jurisprudência comunitária, o autor demonstra que as recentes
alterações na legislação portuária causaram prejuízos à classe trabalhadora, retirando-lhe
condições mais favoráveis anteriormente percebidas em atendimento aos clamores da
liberalização dos portos, o que vai ao encontro da livre concorrência e do princípio da “maior
atratividade”. Com isso, demonstra-se que a intervenção estatal espanhola na questão, por meio
da edição de novos atos normativos, viola direitos previstos na Convenção 137 da OIT, ratificada
pela Espanha, ao passo que sua edição é motivada pela intervenção do setor econômico na
atividade pública, operacionalizada pelo governo conservador instalado no país em questão à
época.
PALAVRAS-CHAVE: trabalho portuário; conflito; mediação; livre concorrência; valor social do
trabalho.
RESUMEN
El artículo aborda el tema del trabajo portuario en España, demostrando las formas en que se
desarrolló el conflicto entre empleados y empleadores, potenciado en este sector por la
interferencia llevada a cabo por el Estado e, indirectamente, por la Comunidad Europea. A través
de un análisis crítico y la jurisprudencia de la comunidad, el autor demuestra que los cambios
recientes en la legislación portuaria han causado daños a la clase trabajadora, eliminando de ella
las condiciones más favorables previamente percibidas en respuesta a los llamados a la
liberalización de los puertos, que está en línea con la libre competencia y el principio de "mayor
atractivo". Con esto, queda demostrado que la intervención estatal española en el tema, a través
de la edición de nuevos actos normativos, viola los derechos previstos en el Convenio 137 de la
OIT, ratificado por España, mientras que su edición está motivada por la intervención del sector
económico en la actividad pública, operado por el gobierno conservador instalado en el país en
cuestión en ese momento.
PALABRAS CLAVE: trabajo portuario; conflicto; mediación; libre competencia; valor social del
trabajo.
ABSTRACT
The article deals with the question of port work in Spain, demonstrating the ways in which the
conflict between employees and employers, fueled by the State and indirectly by the European
Community, has increased. Through a critical analysis and community jurisprudence, the author
1 Tradução inédita para a língua portuguesa. Artigo original publicado na Revista Justicia Social, nº 87, janeiro-
março de 2017, p. 29-35. Disponível em:
https://www.issuu.com/colegiooficialdegraduadossocialesde/docs/revista_justicia_social_87/30
. Tradução e
adaptação: Gabriela Costa e Silva, Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia - UFBA,
Analista Processual nos quadros do Ministério Público da União - Procuradoria Regional do Trabalho da
15ª Região - Campinas/SP e Editora Assistente da Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano Revista
da Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região. Tradução e publicação aprovadas pelo autor.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
AVILÉS, Antonio Ojeda. A evolução do conflito dos estivadores portuários na Espanha. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-20, 2021.
shows that the recent changes in the port legislation have caused damages to the working class,
removing more favorable conditions previously perceived in response to the calls of the
liberalization of the ports, which is in line with the free competition and the principle of "greater
attractiveness". Thus, it is demonstrated that the Spanish intervention in the matter, by means
of the edition of new normative acts, violates rights provided for in ILO Convention 137, ratified
by Spain, while its edition is motivated by the intervention of the economic sector in the public
activity, operated by the conservative government installed in the country in such time.
KEYWORDS: port work; conflict; mediation; free competition; social value of work.
Introdução: Antecedentes
Devido a sua estrutura geográfica como península situada na rota dos grandes
cargueiros que fazem o caminho entre a China e o coração industrial da Europa, a Espanha
dispõe de portos com um intenso tráfego marítimo, nos quais trabalha uma grande
quantidade de estivadores em embarcadouros de avançado nível tecnológico. Há tempos, o
modo de operação dos portos sofre uma profunda crise, o que é causado e se pode dizer
desde o princípio pelo Estado, em uma intervenção atropelada pretendendo uma
reconversão para a liberalização das relações de trabalho, ignorando o estabelecido pela
Convenção 137/1973 da OIT ratificada por este país
2
.
2 Uma Convenção, diga-se de passagem, que só foi ratificada por 24 países, na qual se percebem significativas
ausências como Estados Unidos e China. O Brasil ratificou a Convenção em 12 de agosto de 1994. Na América
Latina a ratificaram também a Costa Rica, Cuba, a Nicarágua e o Uruguai. Da União Europeia foi ratificada pela
Espanha, Finlândia, França, Itália, Noruega, Polônia, Portugal, Romênia e Suécia. Pelos Países Baixos foi ratificada
em 1976 e denunciada em 2006.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
AVILÉS, Antonio Ojeda. A evolução do conflito dos estivadores portuários na Espanha. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-20, 2021.
O conflito entre os estivadores portuários, as empresas estivadoras e o governo
atravessa praticamente todo o período do governo conservador no poder com o Sr. Mariano
Rajoy como chefe e chega até os dias atuais, em que nos encontramos em um labirinto
devido a um governo solitário que, sem a participação dos sindicatos e empresários da estiva,
editou um Decreto-Lei em maio de 2017, desfazendo toda a situação anterior, mas que se
mostra incapaz de interferir na regulação da estiva sem que as partes coletivas respaldem a
nova estrutura. Bem é verdade que em seu apoio acudiram a Comissão Europeia e um lobby
formado por um grupo seleto de empresas marítimas, a Plataforma Investidora de Portos
Espanhóis (PIPE), contrária à negociação coletiva e possivelmente instigadora da intervenção
do governo
3
. Em meio ao conflito, os meios de comunicação espanhóis há tempos já
condenaram os estivadores portuários, escandalizados pelos elevados salários que
aparentemente recebem, segundo um informe da consultora Price Waterhouse and Cooper
(PW&C) a instâncias da organização das grandes companhias marítimas PIPE, colocando em
alerta que sua resistência em não aceitar a sentença do Tribunal de Justiça Europeu de
dezembro de 2014 e o Decreto-Lei 8/2017 iria custar aos cidadãos espanhóis uma severa
multa diária.
No entanto, empresários da ANESCO, a patronal majoritária do setor, e líderes do
sindicato de estivadores, insistem em uníssono que o Governo havia começado por ditar,
antes da norma atualmente vigente, um Decreto-Lei 4/2017, rechaçado pelo Congresso dias
mais tarde
4
, quando ambas as partes estavam a ponto de chegar a um acordo, sem haver
escutado a nenhuma delas, nem aos partidos de cujos votos necessitavam.
3 O adjetivo que melhor qualifica a PIPE é o de um lobby que pressiona o governo e a opinião pública para a
completa liberalização do setor portuário. Os portos espanhóis sofrem a influência de grandes bancos norte-
americanos, entidades investidoras, consórcios internacionais de empresas marítimas, etc. A afirmação de que
o sistema portuário espanhol prejudica as empresas estrangeiras porque impõe condições para trabalhar neles
que perturbam a livre iniciativa pode ser posto à prova quando vemos que empresas como Maersk ou Cosco
estão instaladas ali há tempos. De sua parte, a ANESCO é a associação empresarial majoritária entre as empresas
portuárias espanholas e a celebrante de todos os acordos coletivos portuários do país, que fazem negociações
em dois níveis: estatal e local, ainda que haja também acordos com empresas de outro tipo. À frente a
organização sindical esmagadoramente majoritária, a Coordenadora Estatal de Trabalhadores do Mar (CETM,
antes CEEP), com uma representatividade em torno de 90%.
4 Acordo do Congresso de Deputados de 16 de março de 2017 de derrogação do RDL 4/2017 (BOE de 24 de
março).